"As alturas não me intimidam." Não é de estranhar que esta frase tenha sido dita por Alberto Santos Dumont, pai da aviação. O curioso é que não foi proferida em Paris, voando a bordo de um de seus aparelhos mais pesados que o ar.
Conta a história que seu destemido aviso foi dado à beira de um dos precipícios das imensas cataratas da foz do Iguaçu, no Paraná, em abril de 1916. E foi o ponto de partida para o atual parque nacional de 1.700 quilômetros quadrados que acolhe uma das sete maravilhas naturais do mundo e recebeu, só no primeiro semestre deste ano, mais de 850 mil visitantes.
Naquele dia, mais de um século atrás, Santos Dumont teria dito ao proprietário da fazenda que circundava as quedas, seu preocupado anfitrião Frederico Engel: "Estas maravilhas em torno das cataratas não podem continuar a pertencer a um particular". Hoje fazem parte do parque público dirigido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Passear ao longo das vertiginosas quedas d’água é o ponto alto da visita à Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, embora no momento o desequilíbrio climático recomende alguns cuidados. É uma região onde cataratas, rios e história no fundo falam mais alto que as fronteiras geográficas impostas depois da chegada dos europeus ao continente —como você entenderá rapidamente se conseguir ver o filme "A Missão", dirigido por Roland Joffé em 1986, a que assisti há muito tempo e não sei mais onde encontrar.
Embalado pela trilha de Ennio Moricone, o filme traz delícias como ver, jovenzinhos, artistas do porte de Robert De Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson. E foi filmado ali, tendo as cataratas ao fundo, retratando a forma como os europeus (as coroas espanhola e portuguesa, os jesuítas), enquanto cobiçavam as novas terras, labutavam (ora escravizando os nativos para trabalhos forçados, ora escravizando suas mentes pela catequização) para destruir a integridade cultural e populacional da região. É instrutivo e emocionante, ao visitar a região, ficar atento às similitudes das culturas –derivadas dos povos guarani— que sobrepassam as fronteiras artificiais.
Mas não foi bem para isto que viajei até Foz do Iguaçu, no Paraná: foi para conhecer o novo investimento de um hotel —o Bourbon Cataratas do Iguaçu Thermas Eco Resort— na gastronomia. Em homenagem ao fundador do grupo hoteleiro, ainda familiar e brasileiro, e que tem origens italianas, o hotel inaugurou um novo restaurante, o Vezzoso, de cozinha italiana concebida pelo chef Salvatore Loi, ex-grupo Fasano e hoje sócio do Modern Mamma de São Paulo.
Conhecemos o cardápio italiano tradicional (incluindo clássicos do chef, como sua lasanha de vitelo) implantado no restaurante gastronômico, que logo, com o mesmo nome, também estará presente no hotel da rede em Atibaia (SP). Mas pudemos também conhecer pratos com sabor regional, servidos no restaurante de bufê do hotel, entre eles a costela de cordeiro assada por seis horas no fogo de chão, servida com chipa (bolo salgado de milho de origem guarani típico da fronteira); ou o churrasco preparado e servido na horta orgânica de 2.600 metros quadrados (e 45 anos de vida!), vizinha a uma área do hotel dominada pela mata atlântica, marco do ecossistema de toda a região.
O hotel também incluiu em nosso programa um apanhado da região, incluindo, é claro, a indispensável visita às cataratas ao longo de passarelas imersas no parque nacional, com direito ainda ao passeio do Macuco, o trajeto num barco que se intromete na queda d´água para delírio dos encharcados visitantes.
As notícias recentes dão conta de que os passeios em parte das passarelas que bordejam as cataratas têm sido suspensos devido à ferocidade das quedas d’água: se a vazão média (e segura para os visitantes) é de 1,5 milhão de litros por segundo, nas últimas semanas, com as chuvas que vêm castigando o sul do país e provocando cheias no rio Iguaçu, a vazão chegou a picos de 24 milhões de litros por segundo.
Se sua viagem estava marcada para os próximos dias, prepare-se para assistir, nas passarelas mais afastadas, a um espetáculo raro de explosão da natureza. E de toda forma, aproveite a viagem visitando o Marco das Três Fronteiras, de onde, no lado brasileiro, se avistam os marcos dos outros dois países, e são feitas apresentações de danças típicas e vendidos quitutes nos quiosques. (Danças "típicas" de hoje, isto é, samba, tango, bolero —faz falta a recuperação das manifestações indígenas que tenham sobrevivido aos cinco séculos de ocupação europeia.)
Outra atração é a visita ao Parque das Aves, um santuário natural cheio de beleza e informação sobre a parte alada da linda fauna local.
O passeio turístico pode incluir também um pulinho até a Argentina (a cidade fronteiriça de Puerto Iguazu), onde se fala português em todo lado e se compra vinhos em reais mesmo, no pix ou cartão (sem impostos e com o câmbio favorável, os preços estão irresistíveis).
Fora este escorregão consumista, o restante é uma oportunidade de conhecer uma região onde a cultura ancestral –a dos guaranis, a da mata atlântica original, a da força das águas— ainda pode ser sentida ou ao menos intuída, unificando três países numa área que nasceu de uma história comum.
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