Muita gente —especialmente produtores de conteúdo— está alarmada após o Google anunciar, na última terça (14), que seu buscador será capitaneado por inteligência artificial. O nome, AI Overview, é novo, mas o movimento, na prática, começou em 2023 para testadores.
Isso significa que a lista de links oferecida após um comando do usuário permanece, mas a resposta gerada por IA aparece antes na tela e com mais destaque. Só depois os links surgem para o leitor supostamente clicar e se aprofundar no assunto em questão.
As informações gerais têm como base de dados a web e o que a Big Tech chama de "mapa de informações do Google, uma coletânea de dados sobre pessoas, lugares e itens variados". Trocando em miúdos, é o conteúdo dos sites que você produz ou acessa para se informar, tirar dúvidas, ler e interagir.
De acordo com a empresa, os links incluídos nos resumos gerados com IA receberam mais cliques do que se a página fosse exibida como um resultado de busca tradicional para a mesma consulta. Hum, pode até ser, mas... A experiência de um punhado de gente mundo a fora diz o contrário. Considerando as pessoas do nosso tempo (lê-se sem-tempo-para-nada), um aperitivo de informação já é o bastante. Já não é assim nas redes sociais?
Desde o ano passado, recebo voluntariamente respostas geradas por IA nas minhas buscas, com uso experimental do SGE (Search Generative Experience) —agora, AI Overview. Quando, na página de buscas, pergunto "como fazer um 'stopover' gratuito", recebo um texto gerado artificialmente como resposta, seguido de apenas um link original escondido, como na figura abaixo:
Em outro exemplo, busco ajuda sobre "como aliviar dor de cabeça". Uma lista com 23 dicas surge antes de três links de sites (dois portais especializados e uma farmacêutica). Um parágrafo final arremata o texto, mas a fonte deste fica obscura, sob uma seta.
Temas controversos e polêmicos, que envolvem guerras, política e vacinas, por exemplo, não costumam aparecer no SGE e aparentemente continuam não dando as caras no AI Overview, como relatou O Globo, em teste feito nesta semana, nos EUA.
Reproduções de telas feitas por pessoas com acesso à nova versão da busca com IA retratam cenário semelhante. Para enxergar os tais links confiáveis de apoio, é preciso clicar no botão "mostrar mais". Entretanto, se o usuário se contentar com o parágrafo oferecido, adeus, clique no site, um abraço, tráfego de audiência e boa sorte com as receitas publicitárias.
Para a ANJ (Associação Nacional de Jornais), "trata-se de uma frontal contradição aos argumentos do Google, de que provê tráfego e receitas para os veículos, a fim de não estabelecer a devida remuneração dos conteúdos jornalísticos usados em sua busca".
A problematização monetária se dá porque é flagrante a existência de canibalismo, parasitismo e vulgarização dos conteúdos produzidos.
Por outro lado, a busca com IA generativa é um passo natural, sobretudo porque cada vez mais indivíduos escolhem no que querem se aprofundar. Se antigamente o telespectador assistia na TV a um jornal à espera da reportagem que desejava ver, hoje, ele busca diretamente por aquele trecho sob demanda, enquanto pode se contentar com "highlights" do restante.
É indubitável que a internet turbinada com IA generativa é um avanço que impacta e vai impactar ainda mais o comportamento dos usuários. Por isso, é necessário educar as pessoas sobre inteligência artificial e envolver a sociedade em discussões que culminariam em regulamentação, para que entendam o que vem junto com a facilidade e a (bem-vinda) otimização das tarefas.
O oceano da web não é mar límpido e calmo, que permite, do raso, enxergar com clareza as cores e os movimentos das criaturas que lá habitam. É água mexida, com fortes ondas e resíduos. O primeiro passo é saber que, para captar o colorido e as nuances do que acontece lá, é indispensável mergulho, conhecimento e bons equipamentos.
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