Google amplia uso de IA em buscas e preocupa produtores de conteúdo

Especialistas dizem que modelo arrisca financiamento da imprensa; testes mostram que usuários com a tecnologia fazem mais consultas, diz big tech

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Vitor Rosasco Pedro S. Teixeira
São Paulo

O Google integrará sua inteligência artificial generativa, o Gemini, à sua plataforma de busca, com objetivo de tornar as pesquisas mais rápidas e organizadas.

Na apresentação desta terça-feira (13), contudo, a nova tecnologia, chamada "AI Overview" (algo como apanhado de IA), deu um conselho que estragaria as fotos de um usuário que perguntou como consertar uma alavanca travada em uma câmera analógica.

O vídeo visava mostrar como as pessoas poderão fazer perguntas mais complexas, com vídeos e imagens, de forma semelhante "a um pensamento humano", segundo o gigante da tecnologia. O modelo tirou uma foto da câmera com defeito e perguntou como consertá-la.

Sugestão em inglês, sublinhada durante apresentação do Google, instrui usuário a abrir compartimento do filme, o que estragaria as fotos tiradas
Sugestão em inglês, sublinhada durante apresentação do Google, instrui usuário a abrir compartimento do filme, o que estragaria as fotos tiradas - Reprodução/Google

Uma das sugestões da plataforma foi "abrir o compartimento traseiro do aparelho e remover o filme gentilmente", o que pode expor o filme à luz e danificar todos os registros, segundo o site especializado em tecnologia The Verge. A dica foi sublinhada pelo Google na apresentação.

Em material divulgado à imprensa, o Google afirma que sua IA generativa, personalizada para a ferramenta de busca, acelera e simplifica as pesquisas, auxiliando na elaboração das perguntas e no filtro das respostas.

Modelos de inteligência artificial generativa funcionam a partir de modelos de estatísticas preditivas, que deduzem a próxima palavra em um texto, e são incapazes de diferenciar fatos de ficção. As chances da tecnologia errar, segundo o Google, seria diminuída a partir da criação de "agentes de IA", programas que combinam diferentes inteligências artificiais e outras técnicas para executar tarefas específicas, como fazer buscas na internet.

Entidades patronais e sindicais do jornalismo dizem que o uso de IA nas buscas coloca a atividade profissional em risco ao desviar o tráfego dos sites jornalísticos, que se responsabilizam pelo conteúdo que publicam. O Congresso Nacional discute se o buscador e redes sociais devem compensar jornais pela produção de notícias.

Os resultados na plataforma continuarão com uma lista de links de referência que poderão ser consultados pelos usuários, como já funcionava na busca com IA disponível para testadores do Google desde outubro. No fim do ano passado, o Google também passou a entregar respostas geradas por IA na busca para testadores.

A página do buscador, no entanto, dará destaque a uma resposta gerada por IA, representando uma ameaça para portais que dependem dos links para garantir tráfego de usuários em suas páginas. De acordo com a empresa, os links incluídos nos resumos gerados com IA receberam mais cliques do que se a página fosse exibida como um resultado de busca tradicional para a mesma consulta. "Ao expandir essa experiência, continuaremos a nos concentrar a enviar tráfego valioso para editores e criadores."

Segundo o anúncio do Google, os testes com inteligência artificial no buscador, feitos entre outubro e maio, mostram que usuários fazem mais consultas e ficam mais satisfeitos com os resultados nesse modelo. Os resumos como resposta a buscas estarão disponível nos Estados Unidos a partir desta terça-feira (14) e serão lançados em outros países "em breve".

Com a ferramenta, será possível pesquisar, por exemplo: "os melhores estúdios de ioga ou pilates em São Paulo, com detalhes sobre suas ofertas de matrícula e tempo de caminhada a partir da Paulista". Antes, essa busca seria fragmentada, com a necessidade de entrar em diferentes sites em cada uma das etapas, de acordo com a demonstração da empresa.

Isso se deve ao raciocínio em várias etapas do Gemini, capaz de incorporar nuances e ressalvas que o usuário tenha em mente. A capacidade de planejamento, também presente, permite a criação de planos bastante específicos: "Um plano de refeições para um grupo, fácil de preparar e com duração de três dias". Esses resultados podem ser exportados.

Ao sumarizar as reportagens, a resposta gerada por IA reduz o incentivo para que as pessoas acessem o website indicado como referência, de acordo com o professor de economia da Universidade de Houston Haaris Mateen. Ele é um dos autores recentes de estudo que estima a dívida do Google e do Facebook com os jornais americanos em um valor na faixa dos US$ 13 bilhões.

"Entregar aos usuários o 'creme' da matéria torna o conteúdo original menos interessante, e isso reduz ainda mais as chances dos veículos noticiosos de fazer dinheiro a partir do conteúdo que produzem e publicam", avalia Mateen. Outro risco é afastar o leitor de discussões mais complexas.

Em resposta ao estudo publicado pelo grupo de pesquisa de Mateen, o Google respondeu que menos de 2% das consultas no buscador estão relacionadas a notícias. "A plataforma rende uma enorme receita para os veículos noticiosos, enviando mais de 24 bilhões de visitantes para seus sites –sem qualquer custo para eles."

"As mais graves preocupações da indústria jornalística estão se materializando no anúncio de que a inteligência artificial do Google vai apresentar resumos para as respostas dos usuários. Ainda que pretenda oferecer secundariamente links para quem deseja saber mais, é uma clara desvalorização das fontes originais que produzem aquele conteúdo", afirmou, em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ).

"Não só há aí mais uma potencial apropriação de direitos de autor alheios: é mais uma, e talvez a mais séria, ameaça à sustentabilidade do jornalismo. Trata-se ainda de uma frontal contradição aos argumentos do próprio Google, de que provê tráfego e receitas para os veículos, a fim de não estabelecer a devida remuneração dos conteúdos jornalísticos usados em sua busca", diz a associação.

A presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Samira de Castro, expressa preocupação com a falta de remuneração a jornais e jornalistas, que trabalhariam de graça, produzindo conteúdo profissional para a plataforma por meio da inteligência artificial.

"A substituição das ferramentas de busca pelos sistemas de IA pode retirar da esfera pública o direito à informação de qualidade, diversa e plural. Determinadas interpretações sociais e culturais da realidade tendem a desaparecer", diz Samira.

No novo modelo, o Google incluirá uma página com resultados organizados por IA, em uma espécie de brainstorming digital. "Em vez de uma lista de links, você verá insights agrupados em títulos exclusivos gerados por IA, apresentando uma ampla variedade de perspectivas e tipos de conteúdo."

Para além das buscas textuais, haverá a opção de busca através de imagens e vídeos, o que deve poupar o usuário do esforço de traduzir, em palavras, uma dúvida ligada aos objetos ao seu redor.

"Talvez você tenha comprado um toca-discos, mas ele não funciona e a peça de metal com a agulha está flutuando. Pesquisar com um vídeo economiza tempo e trabalho para encontrar as palavras certas para descrever esse problema, e você terá um resumo de IA com etapas e recursos para solucioná-los."

O Google cita as fontes das informações coletadas, ao contrário do ChatGPT.

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