Enchentes afetam empresa pública do RS e governo salva dados em nuvem do Google

Água atingiu 1,5 m de altura no centro de tecnologia estadual e danificou geradores; especialistas veem riscos à segurança dos dados, mas empresa nega

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Vitor Hugo Batista
São Paulo

O governo do Rio Grande do Sul está salvando as informações das secretarias estaduais e dados referentes à população em nuvem da empresa americana de softwares e serviços online Google.

A medida foi tomada porque as enchentes atingiram o prédio de três andares do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação (Procergs) do governo estadual, a cerca de 1,4 quilômetro da orla do lago Guaíba, no centro histórico de Porto Alegre.

Especialistas alertam para riscos à segurança da informação e criticam a dependência da empresa de tecnologia. Segundo o presidente da Procergs, Luiz Fernando Záchia, não há qualquer risco.

A água chegou a 1,5 metro de altura no andar térreo da empresa, onde estavam o quadro elétrico, dois geradores e quatro estabilizadores que alimentavam a base de dados do governo estadual, localizada na sala-cofre, no 1º andar. O prejuízo pode chegar a R$ 10 milhões.

No canto inferior esquerdo, a sede da Procergs, em formato circular, com três andares. No entorno,  centro histórico de Porto Alegre completamente alagado.
No canto inferior esquerdo, a sede da Procergs, alagada após enchentes no centro histórico de Porto Alegre. - Gustavo Mansur/ Divulgação/Palácio Piratini

A Procergs é a empresa pública responsável por sistemas, sites e serviços essenciais do estado, como Defesa Civil, Secretaria de Estado de Saúde e Segurança Pública. O órgão também opera o sistema de pagamentos dos Poderes Legislativo e Judiciário gaúchos.

Com o desligamento da estrutura física de dados no dia 6 de maio, alguns sistemas ficaram temporariamente fora do ar, mas a maioria deles já foi retomada por meio de dados armazenados na plataforma do Google. Os cerca de 1.200 funcionários da Procergs estão em teletrabalho.

O sistema do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) do Rio Grande do Sul permanece inativo. Verificações, transferências e emplacamentos de veículos não estão sendo realizados. Esse sistema e o de Processos Administrativos são os únicos fora do ar.

Segundo o presidente da Procergs, os sistemas em funcionamento estão mais lentos. "Não estão plenos e não estão com a velocidade normal, mas estão funcionando bem. Alguns trâmites e documentos do governo estão sendo feitos manualmente", disse.

Záchia disse que a retomada total deve acontecer até o dia 24 de maio. "Até lá, não será possível avaliar todo o impacto causado nos dados". Segundo ele, o armazenamento em nuvem tem risco "zero".

Para Pedro Martins, especialista em dados pessoais e coordenador acadêmico do Data Privacy Brasil, o envio de informações públicas para uma empresa privada estrangeira compromete a segurança dos dados.

"Quando o governo não consegue prover o armazenamento por conta própria, acaba colocando um poder muito grande nas mãos de quem vai operar e fornecer essa infraestrutura. Se os dados estão armazenados em uma empresa, ela pode não respeitar as regras e usar as informações para treinar uma IA [inteligência artificial], por exemplo", afirma.

Martins também diz que os acordos para armazenamento de dados quase sempre acontecem de maneira emergencial, o que compromete o "debate público, a responsabilidade e a transparência do contrato firmado".

A advogada Paula Guedes, da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil do estado do Rio de Janeiro), critica a terceirização do armazenamento por caracterizar dependência tecnológica de um sistema privado e colocar em risco a soberania do estado.

"Essas empresas já detém poder no mundo todo, e ter os dados do governo e da população em nuvem é preocupante. A gente está deixando algo crucial para o funcionamento do governo em uma empresa que às vezes não funciona", diz.

Os especialistas defendem o investimento em uma infraestrutura estatal capaz de armazenar com segurança as informações nacionais.

"Os governos estaduais e federal devem criar políticas públicas para garantir uma sustentação digital qualificada, com participação popular. Caso contrário, vamos perder uma oportunidade de usar melhor os dados e criar políticas públicas eficientes", afirmou Martins.

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