A Lei de Cotas, que está em ano de revisão, foi eficaz em diminuir o desequilíbrio racial e social em universidades e instituições públicas, segundo especialistas que participaram de seminário promovido pela Folha.
"A única política que reduziu a desigualdade no Brasil foi a de cotas nas universidades públicas", afirmou Helio Santos, presidente dos conselhos da Oxfam Brasil e do Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Realizado nesta segunda-feira (21), o evento tratou de racismo e questões raciais. A mediação foi de Flavia Lima, secretária-assistente de Redação para diversidade da Folha.
Pesquisa do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial) indicou que, entre 2014 e 2019, a proporção de negros com diploma universitário se aproximou de sua representação populacional em 23 estados.
"Quando um grupo que não tem acesso a um determinado recurso passa a ter, ainda mais um tão precioso quanto educação, é algo bom. É muito melhor ter diversidade de classe social, origem e cor entre os alunos. [A Lei de Cotas] Foi uma excelente experiência", afirmou durante o debate Wilson Gomes, colunista da Folha e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Iniciativas de empresas privadas, que incluem processos seletivos exclusivos para profissionais pretos e pardos, como o Programa de Treinamento da Folha, também são importantes, segundo os participantes.
"Grandes organizações estão dando preferência a candidatos negros, quando no passado era o contrário. Essas políticas do setor privado são relevantes", disse Santos.
Além da revisão da Lei de Cotas, o ano de 2022 é marcado por eleições. Para Gomes, é preciso eleger candidatos que estabeleçam medidas voltadas para negros, mulheres e pobres.
Para o professor, a disputa presidencial deste ano vai firmar um patamar mínimo de civilização no país.
De acordo com ele, o Brasil regrediu nesse quesito nos últimos anos. "O fato de ter sido eleito um presidente da República com discursos que violam esse patamar é uma tragédia."
O pesquisador recordou que aliados do governo Jair Bolsonaro (PL) costumam atacar direitos de minorias.
Santos concordou com a importância de políticas públicas, o que inclui a Lei de Cotas, para combater o racismo sistêmico ou estrutural. "Estamos em um país profundamente desigual, uma desigualdade que tem cor e gênero."
Dados mostram que mulheres e pessoas negras são mais afetadas pela pobreza. Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019 apontou que 63% das famílias chefiadas por mulheres pretas ou pardas estão abaixo da linha da pobreza.
Para o presidente do conselho da Oxfam Brasil, diante da desigualdade, falar em racismo reverso é uma ficção. Ele afirmou que não é certo falar de preconceito de negros contra brancos se pessoas pretas e pardas recebem salário médio menor e são as principais vítimas de violência.
Já Gomes disse que racismo reverso é uma expressão inadequada, porque dá a entender que o racismo tem um vetor natural (de brancos contra negros).
"Não existe nada natural no racismo, que é sempre maligno. De resto, qualquer pessoa pode ser racista, não importa qual seja a cor dela. O ser humano é capaz das melhores e das piores coisas, negros inclusive."
Gomes afirmou que foi um equívoco a reação ao texto do antropólogo Antônio Risério publicado na Folha. Risério foi acusado de deslegitimar o movimento antirracista ao afirmar que pessoas negras estariam cometendo racismo contra brancos.
"É muito fácil gritar ‘racista’ numa forma barata de desqualificar os outros", disse. Para ele, o texto não trazia investidas contra a dignidade dos negros.
Já Santos disse que temas polêmicos são abordados apenas por darem audiência para veículos noticiosos, em referência à acusação de que a Folha veicula textos racistas em busca de leitores.
Segundo ele, a discussão com Risério não faz justiça à colaboração do movimento negro para o país, como a luta pela aprovação da Lei de Cotas.
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