Relatos selvagens s�o rotina no servi�o que recebe den�ncias de abuso infantil
Adolescente � abusada sexualmente pelo av�, que, denunciado, amea�a matar toda a fam�lia. Homem mant�m fotos de meninas nuas em seu celular. Funcionam como atrativos para outros homens que pagam R$ 150 por um programa. M�e e padrasto agenciam adolescente. Ato sexual acontece dentro da pr�pria casa da menina. Av�s, bisav�s, tios, vizinhos abusam de crian�as em troca de doces, roupas, brinquedos, cr�dito no celular.
Relatos escabrosos como esses s�o ouvidos �s dezenas todos os dias em uma sala de paredes brancas, piso azul, luzes fluorescentes fortes e fileiras de baias onde 200 atendentes se revezam em turnos de seis horas de trabalho.
Na maioria mulheres na casa dos 25 aos 35 anos, ostentam os instrumentos cl�ssicos de um call center: computador, telefone e headphone com o microfone acoplado. Em vez de tentar vender algum produto, buscam salvar pessoas que s�o exploradas, agredidas, abusadas.
Trabalham para o Disque 100, ligado ao Minist�rio dos Direitos Humanos. Ao todo, o servi�o recebeu no ano passado 122.959 den�ncias de viola��o dos direitos humanos, o que inclui maus-tratos de idosos, trabalho escravo, racismo. Mas s�o os casos de viol�ncia sexual contra crian�as e adolescentes, que somaram 15.707 em 2016 (43 por dia, em m�dia), que causam mais como��o.
Os atendentes e o lugar onde trabalham n�o podem ser identificados por quest�es de seguran�a, j� que envolvem den�ncias de crimes. A Folha esteve no local no in�cio do m�s e acompanhou a rotina do centro.
� primeira vista poderia ser confundido com um ambiente de trabalho normal. A destoar, a sala de apoio psicol�gico, cartazes nas paredes sobre as v�rias formas de viol�ncia (sexual, psicol�gica, f�sica...) e o semblante fechado da maioria.
O apoio psicol�gico aos atendentes � obrigat�rio: uma hora por semana em sess�es em grupo. Mas pode ser acionado a qualquer momento, individualmente, quando uma hist�ria ultrapassa o limite de cada um. "Sempre tem uma liga��o que abala, que te obriga a parar. Depende muito do seu hist�rico", afirma uma atendente.
N�o � incomum que uma pessoa levante a m�o, chame o superior e pe�a que a liga��o seja transferida para outro atendente. Se necessitar do apoio psicol�gico nesse momento, vai ouvir sobre a import�ncia do trabalho e que precisa "limitar a absor��o das situa��es".
Todos os atendentes t�m forma��o em ci�ncias humanas ou sociais. S�o, preferencialmente, assistentes sociais ou psic�logos. Uns poucos ainda est�o na faculdade. S�o divididos em dois grupos: generalistas e especialistas. Toda liga��o passa pelo primeiro grupo: "Disque Direitos Humanos, bom dia. Meu nome � fulano, em que posso ajudar?" � a frase inicial.
Muitas vezes, do outro lado da linha, apenas um sil�ncio. Pode significar que a pessoa desistiu da den�ncia ou est� com muito medo. Um dos coordenadores afirma que, quando � a pr�pria v�tima a ligar, parece haver rela��o direta entre os sil�ncios (mais longos e frequentes) e a gravidade do caso (mais s�rio).
Quando a v�tima � uma crian�a ou adolescente, e � ela mesma que liga, o chamado � transferido para um especialista. � preciso ganhar a confian�a e fazer com que a pessoa se sinta acolhida, segura.
Para isso, o tom de voz faz a diferen�a. A sequ�ncia de perguntas, tamb�m. N�o adiante iniciar um interrogat�rio com nome, endere�o, idade. H� uma s�rie de outras quest�es que devem vir antes: "Algu�m fez alguma coisa com voc� que te deixa envergonhada?"; "Isso que quer me contar, j� contou para algu�m?"; "Como est� se sentindo neste momento?"; "Quem fez isso com voc�?".
Nada � gravado, e a pessoa s� se identifica se quiser. Mas, para que a den�ncia seja encaminhada e produza efeitos, � necess�rio conseguir o maior n�mero de dados (local preciso em que o abuso ou explora��o acontece, nome dos criminosos, frequ�ncia e h� quanto tempo ocorre). Depois, tudo ser� repassado para Conselhos Tutelares (far�o a acolhida das v�timas), pol�cia e Minist�rio P�blico (cuidar�o das investiga��es).
H� casos de crian�as que n�o conseguem falar. Come�am a cantar m�sicas e trocam a letra, incluindo nos novos versos informa��es sobre o crime. Uma vez estabelecido um v�nculo, chamam as atendentes de tias, doutoras.
Os agressores/exploradores s�o, na maioria das vezes, conhecidos (familiares, vizinhos, amigos dos pais), o que faz com que, no meio da conversa, muitas v�timas demonstrem preocupa��o com o que ir� acontecer. Perguntam se o pai ou a m�e correm risco de serem presos, se v�o ter que sair de casa, se v�o acabar num orfanato.
H� abusos cometidos tamb�m por av�s e at� bisav�s, que contrariam o senso comum por terem menos de 50 anos –s�o frutos de sucess�es familiares de gravidezes precoces.
Abuso sexual - Estados com mais casos,?por 100 mil habitantes
Explora��o sexual - Estados com mais casos,?por 100 mil habitantes
�s vezes a liga��o � interrompida com o barulho de uma porta abrindo ou de um grito. Pode significar que o agressor chegou. Se n�o tiverem sido coletadas as informa��es suficientes para a localiza��o da v�tima, � uma chamada perdida, o que causa enorme frustra��o.
H�, claro, o mau uso do servi�o. Crian�as e adolescentes passam trote (isso aumenta nas f�rias escolares) e, nas madrugadas, s�o comuns os masturbadores –homens que ligam para relatar que s�o abusadores de crian�as.
Se for outro homem que atende, desligam. Se for uma mulher, estendem a conversa e querem contar detalhes do ato que supostamente praticaram. Isso os excita. Atendentes contam que, nessas horas, � poss�vel ouvir a respira��o ofegante do outro lado da linha.
Apesar da vontade, n�o podem simplesmente desligar. � preciso desencorajar a pessoa de dar detalhes e tentar conduzir a conversa para algo mais t�cnico. Se forem mesmo masturbadores, se irritam e desligam.
Para os atendentes, � hora de respirar fundo e aceitar a pr�xima liga��o, numa sequ�ncia apenas interrompida com o fim do turno, ap�s um dia emocionalmente exaustivo que traz, no entanto, compensa��es tamb�m emocionais.
Na maioria das baias, h� uma bandeirinha com os dizeres: "Aqui eu fa�o diferen�a". � um est�mulo e uma verdade. Que o digam as v�timas que conseguiram escapar de uma rotina de abusos e explora��es sexuais.
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RELATOS SELVAGENS
NUDEZ NO CELULAR
"Adolescentes s�o exploradas sexualmente por suspeito. Os fatos ocorrem h� aproximadamente um ano, diariamente, em um motel. Suspeito mant�m fotos das adolescentes em seu aparelho celular e, por meio de um aplicativo, oferece a outros homens encontros sexuais com elas por valores que variam de R$ 150 a R$ 400. Metade do valor � entregue �s adolescentes."
FEIRA AGROPECU�RIA
"Adolescente com doen�a mental � abusado sexualmente pelo irm�o e por outros suspeitos. Os fatos ocorrem h� cerca de um ano e meio, na rua e na casa da v�tima. H� relatos de que ele est� tendo rela��es sexuais com homens em troca de dinheiro, que � repassado para a m�e. Na cidade em que vive, est� acontecendo uma feira agropecu�ria. O adolescente participa dessa festa e s� retorna para casa por volta das 3h."
PAGAMENTO EM LANCHE
"Adolescentes est�o sendo exploradas sexualmente por suspeito. Os fatos ocorrem h� mais de tr�s anos, diariamente, na resid�ncia do suspeito. Ele explora as v�timas de aproximadamente 12 a 13 anos, oferecendo dinheiro, lanche e outras coisas em troca do ato sexual. Tr�s adolescentes v�o ao local com frequ�ncia. Outras, esporadicamente. Frequentam o local das 12h �s 24h."
CAMINHONEIROS NO POSTO
"Crian�as e adolescentes s�o exploradas por caminhoneiros e homens de nomes n�o informados. Os fatos ocorrem diariamente, nas ruas. As v�timas costumam sair com caminhoneiros e homens em troca de dinheiro. Os suspeitos frequentam um bar, no estacionamento do posto de gasolina. Uma das crian�as est� gr�vida, e a outra foi empurrada do caminh�o, caindo no ch�o e machucando o cotovelo."
SEXO POR R$ 15
"Adolescentes s�o exploradas sexualmente por suspeito. Os fatos ocorrem h� tr�s meses, ocasionalmente, na casa dele. As v�timas saem para ir para a escola e v�o para a casa do suspeito que paga R$ 15,00 para ter rela��es com elas. As adolescentes usam roupas curtas, assistem a filmes porn�s e tiram fotos nuas."
�LCOOL E MACONHA
"Adolescentes s�o negligenciadas e exploradas sexualmente por dois suspeitos de nomes n�o informados. Os fatos ocorrem diariamente, a partir das 12h, na casa dos suspeitos. Eles d�o bebidas e utilizam maconha na frente das v�timas. No local ocorre prostitui��o, e meninas de 13 e 14 anos t�m rela��es sexuais em troca de bebidas e drogas. O conselho tutelar da cidade esteve no local, mas os suspeitos fugiram."
BISAV� E CONIV�NCIA
"M. foi abusada pelo bisav� materno, � negligenciada pela m�e, pela av� materna e pela bisav� materna, todas coniventes. A m�e flagrou a filha com a calcinha abaixada e o bisav� acariciando a vagina da menina. Ela o amea�ou com faca, mas n�o foi � pol�cia, dizendo ter pena dele. O suspeito molesta qualquer crian�a que frequente a sua casa. A fam�lia toda � ciente dos abusos. M. est� traumatizada."
NA QUADRA DO PR�DIO
"Adolescentes s�o explorados por desconhecido. Os fatos ocorrem h� tr�s anos, diariamente, das 17h � 22h, na casa do suspeito. Ele oferece dinheiro aos adolescentes para manter rela��es sexuais com eles. Os adolescentes ficam na quadra do pr�dio em que moram. Suspeito se aproxima e os convence a subir para o seu apartamento. Entra, fica l� com as v�timas, depois de um tempo sai e vai tentar abordar outros meninos."
CR�DITOS NO CELULAR
"Adolescente � explorada por desconhecido e negligenciada pelos familiares. O suspeito seduz a v�tima quando ela vai ao bar comprar algo a pedido da m�e. Ele a chama, pega em suas m�os, a alisa e faz gestos obscenos. O suspeito colocava cr�ditos no celular da menina e dava dinheiro em troca de sexo. Na �ltima semana, pulou o muro da casa da v�tima e teve rela��es com ela."
PIERCINGS E PEDIDOS
"Adolescente � negligenciada e aliciada pela m�e. A suspeita permite que a filha tenha rela��es com um rapaz de 24 anos. A suspeita autorizou a crian�a a por piercings no nariz e umbigo, al�m de andar com roupas curtas e ensin�-la a pedir coisas aos homens com quem se relaciona. Foi informado de que as redes sociais da v�tima t�m conte�do pornogr�fico e de que o pai tem conhecimento dos fatos, por�m, nada faz."