"Cuidado com o celular", diz o motorista, repetindo talvez uma das frases mais ouvidas por quem circula em São Paulo. No carro de aplicativo ao lado, as janelas são cobertas por uma rede de proteção para evitar a apelidada "gangue da pedrada", cujo método consiste em estourar o vidro para roubar telefones.
Mesmo com a queda no número de grande parte dos crimes nos últimos anos, os paulistanos seguem elencando a segurança como principal problema da cidade em sucessivas pesquisas de opinião. A pressão por mais participação das prefeituras na área cresce, e o tema ocupa papel central nestas eleições.
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que disputam o segundo turno, respondem prometendo milhares de novos guardas municipais nas ruas —medida defendida por especialistas—, mas desconsideram o debate sobre a sobreposição de atribuições da polícia e pouco explicam como farão eles caberem no Orçamento.
O prefeito também ignora em seu plano de governo medidas específicas contra roubos e furtos de celular, grandes causadores da sensação de insegurança na capital, enquanto o deputado federal não diz o que fará com os policiais militares de folga que atuam para o município na Operação Delegada, criticada por ele no passado.
Os temas viraram munição para ambos os lados. "Ricardo, você aconselha o cidadão de São Paulo a andar tranquilo com o celular na rua?", questionou Boulos no debate da Band desta segunda (14). "Eu aumentei o valor da Operação Delegada, por exemplo, que ele é contra, que o partido dele é contra", rebateu Nunes.
Tentando se colocar como o candidato "contra o que está aí", o psolista também já citou em entrevistas uma "explosão" no número de celulares subtraídos, o que não é verdade. Essa cifra segue trajetória de queda na cidade, assim como homicídios e roubos em geral —diferentemente dos furtos totais, que têm crescido.
Ainda assim, São Paulo é a terceira cidade do Brasil no ranking de roubos e furtos de aparelhos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), atrás apenas de Manaus e Teresina. Ao menos 35% paulistanos dizem já terem sido vítimas desses crimes, mostrou o Datafolha em março.
Boulos propõe, em seu plano, mapear e intervir em comércios que revendem aparelhos subtraídos, com multas e eventual lacração, em conjunto com a Polícia Civil, Receita Federal e Polícia Federal.
Indagado sobre ter alguma medida parecida, Nunes repetiu à Folha nesta terça (15) o que costuma dizer ao ser questionado sobre segurança em geral e exaltou o programa de videomonitoramento integrado Smart Sampa. Ele foi inaugurado em fevereiro e prevê 20 mil câmeras com alertas e reconhecimento facial instaladas até o fim do ano.
"Estamos fazendo muitas prisões, já tem dado um resultado positivo", disse. "[Evitar a venda dos celulares] é uma questão de investigação da Polícia Civil, que eles com certeza estão fazendo. Da minha parte como prefeito, é reforçar a GCM, reforçar a PM, atuar e investir no monitoramento com tecnologia", defendeu ele.
O prefeito geralmente enaltece a ampliação dos recursos e da remuneração às duas corporações, além da integração com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu aliado político. Olhando para frente, porém, as metas de seu plano são genéricas, se resumindo a "aumentar", "expandir" e "avançar" no que já foi feito.
"Ele realmente investiu mais que outros prefeitos. Contratou guardas e equipou com armas longas, que são necessárias, apesar do pouco uso. Mas ainda está muito aquém das necessidades", avalia Adriana Andreose, presidente da Ages (Associação dos Guardas e Servidores do Estado) e guarda municipal em São Paulo há 28 anos.
Boulos já chegou a dizer que vai manter e ampliar o Smart Sampa, mas também tem uma abordagem vaga do assunto em seu plano, escrevendo que vai "adotar medidas urbanísticas para aumentar a segurança, tais como iluminação e câmeras de monitoramento". Nessa linha, ele propõe ainda câmeras nos uniformes dos guardas.
O candidato evita, porém, citar a Operação Delegada. Na campanha de 2020, Boulos fazia duras críticas ao projeto e prometia mantê-lo "porque não tem o que colocar no lugar". "Eu defendo que ela possa ter uma continuidade, mas não com foco em dar porrada num trabalhador que está tentando levar a sua comida para casa", disse então em debate com o ex-prefeito Brunos Covas (PSDB).
Questionado em entrevista ao jornal SP2, da TV Globo, nesta terça, o psolista indicou que mantém sua posição, mas suavizou o discurso: "Não há problema, a Operação Delegada é feita com a PM. A operação não pode ser para reprimir, tem que ser para dar segurança", afirmou.
Criado em 2009, o programa é um convênio em que a prefeitura paga ao governo do estado pelos horários de folga do policial militar. O objetivo inicialmente era reforçar o combate ao comércio ambulante, mas a atuação foi ampliada para coibir pichação, emissão de ruídos e outras atividades do âmbito municipal.
Os gastos da gestão Nunes com honorários dos policiais dispararam e, até setembro deste ano, já totalizaram R$ 223 milhões. Com a operação e manutenção da própria guarda (sem contar salários), também aumentaram nos últimos anos, mas em ritmo menor, chegando a R$ 77 milhões nos primeiros nove meses de 2024.
Questionada, a prefeitura afirmou apenas considerar ser errado comparar os recursos de diárias de PMs com os gastos com manutenção, ampliação e reforma de instalações da GCM por serem de naturezas distintas.
A intersecção das funções de ambas é alvo de discussão em todo o país. Para Andreose, da associação de guardas, elas "não se sobrepõem nem se misturam". O coronel José Roberto de Oliveira, ex-secretário municipal de Segurança Urbana de João Doria (PSDB), discorda: "Hoje a guarda acaba atuando muito semelhante à policia."
Renato Sérgio de Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, vai na mesma linha. "A guarda precisa estar armada e equipada, mas não se justifica criar batalhões de choque, por exemplo, senão a ação teria que ser feita com a PM. Se a prefeitura fica investindo em replicar, está gastando dinheiro para fazer o mesmo."
Oliveira também opina que o debate eleitoral tem se baseado pouco em dados. "O Smart Sampa, por exemplo, custa [R$ 9,8] milhões por mês. Mas monitorar tantas câmeras ao mesmo tempo é quase impossível. É preciso entender se o custo está valendo a pena", diz o ex-secretário.
O que os planos de governo de Nunes e Boulos dizem sobre segurança
Ricardo Nunes (MDB) | Guilherme Boulos (PSOL) |
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