Condenados do 8/1 quebram tornozeleira e deixam país; veja quem são

Reportagem identificou dez pessoas que fugiram para o exterior neste ano; destinos foram Argentina e Uruguai

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Eduardo Militão
Brasília | UOL

Militantes bolsonaristas condenados ou investigados por participarem dos ataques golpistas às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro do ano passado, quebraram suas tornozeleiras eletrônicas e fugiram do Brasil.

Levantamento feito pelo UOL aponta que ao menos 51 pessoas suspeitas de participar de atos golpistas após as eleições presidenciais de 2022 têm mandados de prisão em aberto ou fugiram após quebrar as tornozeleiras eletrônicas.

Na última quinta-feira (6), a Polícia Federal foi às ruas para cumprir 208 mandados de prisão, colocação de tornozeleiras eletrônicas e outras medidas contra foragidos da investigação.

Entre os fugitivos, a reportagem identificou dez pessoas que fugiram para o exterior neste ano pelas fronteiras de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (veja abaixo). Os destinos delas foram a Argentina e o Uruguai.

Sete dos fugitivos já foram condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a mais de dez anos de prisão por participarem de tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro.

Manifestantes invadem a praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 - Antonio Cascio - 8.jan.23/Reuters

Seis dos dez fugitivos são mulheres, e a maioria é de estados do Sul (PR e SC) e do Sudeste (SP e MG). A idade média deles é de 50 anos.

O levantamento foi feito com base em registros do STF e CNJ (Conselho Nacional de Justiça), como ordens de prisão, e em entrevistas com parentes, investigadores, amigos e advogados.

Um dos fugitivos —que se considera um exilado político— faz até campanha em redes sociais para financiar sua permanência no exterior. O pedreiro Daniel Bressan tenta vender produtos e já ofereceu uma rifa de um Fiat Uno 2015.

Mulher de óculos escuro posa para fot ao lado de placa que indica os Ministérios e a Praça dos Três Poderes
Fátima Pleti foi condenada pelo STF, mas fugiu - Reprodução/Facebook

As Polícias Civis de SC e RS disseram que não foram solicitadas para fazer buscas pelos fugitivos. A Polícia Civil do Paraná não se manifestou. Os órgãos de administração penitenciária do PR e de SC se negaram a informar quantos investigados quebraram tornozeleiras ou fugiram desde o ano passado.

Procurados, o STF e a PF não se manifestaram sobre as buscas. Não há alertas públicos da Interpol (polícia internacional) pelos fugitivos.

Os advogados dos investigados e réus negam que eles tenham depredado prédios públicos ou participado de tentativa de golpe de Estado. Alguns afirmaram que estavam nos prédios dos três Poderes apenas para se protegerem de bombas lançadas por agentes de segurança.

"Estes [os que foram presos no Palácio do Planalto] têm que pagar pelo que fizeram, mas [para] o crime de depredação não cabe prisão desse jeito. O Estado não é o Palácio. Você não atentou contra o Estado invadindo o Palácio, ainda mais num domingo", disse Cláudio Caivano, advogado de fugitivo e de outros 20 bolsonaristas.

Ao menos um dos fugitivos afirma ter pedido asilo político à Argentina. As assessorias dos ministérios do Interior e das Relações Exteriores argentinos disseram ao UOL que não revelariam quem entrou no país ou quem pediu asilo por se tratarem de dados pessoais.

Pelas leis brasileiras, a destruição da tornozeleira e a fuga não aumentam a punição, mas o fugitivo perde o direito ao regime aberto e volta ao semiaberto ou fechado. Por outro lado, facilitar a fuga é crime punível com seis meses a dois anos de detenção.

Quem são os fugitivos

Ângelo Sotero, 59, músico, de Blumenau (SC)

Imagem em close mostra rosto de homem branco usando camiseta rosa
Ângelo Sotero Lima é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Reprodução/Youtube/AngeloSoterolima

Foi condenado a 15 anos e meio de prisão por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada no 8 de Janeiro. Em depoimento, disse "ter tomado conhecimento que seria preso quando estava no Palácio do Planalto, depois de um certo tempo sentado, orando".

Há cerca de um mês, quebrou a tornozeleira e fugiu, segundo o advogado dele, Hemerson Barbosa. Fontes ouvidas pelo UOL dizem que Sotero se juntou a um grupo de dez bolsonaristas e chegou à Argentina por meio da fronteira de Dionísio Cerqueira (SC).

"É um julgamento político. Se eu estivesse no lugar dele, eu faria a mesma coisa. Não cumpriria ordem do Alexandre de Moraes", disse Hemerson Barbosa, advogado de Sotero, que nega saber o paradeiro do cliente.

Gilberto Ackermann, 50, corretor de seguros, de Balneário Camboriú (SC)

Homem branco com uma bandeira do Brasil pendurada no pescoço posa para foto sorrindo
Gilberto Ackermann é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Gilberto Ackerman/Reprodução/Redes sociais - 08.jan.2023

Ele pegou 16 anos de prisão por participar do 8 de janeiro invadindo o Palácio do Planalto. Foi condenado por tentar um golpe de Estado e por deterioração do patrimônio tombado, entre outros crimes. Ele nega ter quebrado objetos no local.

Fabíola Paula Beê, cunhada e advogada, diz que Ackermann fugiu em 25 de abril e que a família não sabe para onde ele foi. Às 18h35 daquele dia, a 1ª Vara Criminal de Camboriú ordenou que o STF fosse comunicado "com urgência" de que sua tornozeleira parou de funcionar e que ele não atendeu aos telefonemas.

Segundo investigadores, Ackermann faz parte do mesmo grupo que fugiu para a Argentina com o músico Ângelo Sotero. A defensora tenta recursos no STF.

Raquel de Souza Lopes, 51, de Joinville (SC)

Mulher de cabelos loiros com uma máscara no queixo e usado roupa amarela posa para foto
Raquel de Souza Lopes é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Reprodução de redes sociais - 08.jan.2023

A PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que ela destruiu bens. Raquel nega.

Em abril, Raquel fugiu para a Argentina, segundo investigadores e testemunhas ouvidas pelo UOL. O filho, Acenil Francisco Júnior, diz não ter informações sobre a mãe ou sobre a fuga.

A defesa, que também diz ignorar o paradeiro de Raquel, tenta recursos no STF.

Luiz Fernandes Venâncio, 50, empresário, de São Paulo (SP)

Homem branco e calvo posa para foto de óculos escuro
Luiz Fernando Venâncio é réu em ação penal - Reprodução -03.mai.2024

Ele é réu em ação penal no STF pelos ataques golpistas do 8 de janeiro. Em vídeo gravado na Argentina, ele relata que fugiu do Brasil e que pediu asilo ao governo de Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro (PL). O advogado Cláudio Caivano afirma que Venâncio aguarda audiência sobre um pedido de asilo.

No início deste ano, ele saiu da área permitida para uso da tornozeleira. Questionado, pediu ampliação da área até Guarulhos (SP), para poder trabalhar. A PGR pediu sua prisão, e o mandado foi expedido em 21 de março. A família e o advogado estimam que ele fugiu entre 1º e 20 de março.

O defensor diz ainda que Venâncio estava na praça dos Três Poderes, mas não invadiu nem depredou nenhum prédio. A defesa reclama da falta de acesso ao inquérito que gerou a ação penal.

Flávia Cordeiro Magalhães Soares, 47, empresária

Mulher de óculos posa para foto
Flávia Cordeiro Magalhães Soares é uma das investigadas - Reprodução/Twitter - 23.dez.2023

Ela responde a investigações relacionadas a ataques contra o resultado das eleições de 2022. Segundo Alexandre de Moraes, Flávia "se utiliza de passaporte internacional para ingressar e sair do país sem se submeter às autoridades nacionais".

Flávia está foragida ao menos desde o início de fevereiro, segundo indica o mandado de prisão em aberto. Ela teve uma conta em rede social derrubada e faz parte de um movimento de direita chamado "Yes Brazil".

Em vídeo de dezembro, ela afirmou possuir cidadania norte-americana e que só a usa porque "o Brasil está uma ditadura muito grande". O UOL não localizou os advogados dela.

Alethea Verusca Soares, 49, de São José dos Campos (SP)

Mulher de cabelos pretos e compridos sorri para foto
Alethea Verusca Soares - Reprodução/Redes Sociais

Foi condenada pelo STF a 17 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Ela entrou no Palácio do Planalto durante os atos golpistas e, em depoimento, disse que seu objetivo era conseguir "mais transparência acerca de como ocorreram as votações e segurança das urnas eletrônicas".

Alethea nega depredações. Afirmou ter entrado no Palácio do Planalto porque "havia muitas bombas, e estava passando mal, chegando a vomitar numa lixeira". No início de janeiro, fugiu para o Uruguai pela fronteira de Santana do Livramento (RS).

Por causa da fuga, o STF ordenou o bloqueio de suas contas bancárias. Do Uruguai, ela entrou na Argentina em 12 de abril, segundo uma fonte relatou ao UOL. A defesa dela não quis prestar esclarecimentos à reportagem.

Rosana Maciel Gomes, 50, de Goiânia (GO)

Mulher posa para foto sorrindo e segurando um copo
Rosana Maciel Gomes é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Arquivo pessoal

Foi condenada a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado e dano qualificado, entre outros crimes. A PGR diz que Rosana participou de atos de depredação no 8 de janeiro, o que ela nega, alegando que entrou no Palácio do Planalto porque helicópteros lançavam bombas de gás.

Está foragida desde 15 de janeiro, quando não compareceu ao juízo. Ela foi para o Uruguai por meio da fronteira em Santana do Livramento (RS), a 2.145 km de seu endereço. De lá, chegou à Argentina.

O UOL apurou que ela entrou na Argentina em 12 de abril. Por causa da fuga, o STF confiscou suas contas bancárias. A defesa de Rosana não quis prestar esclarecimentos à reportagem.

Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, 58, de Betim (MG)

Mulher negra posa para foto séria
Jupira Silvana da Cruz Rodrigues é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Reprodução/STF

Foi condenada em setembro a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa. Jupira entrou no Palácio do Planalto, mas nega a acusação do MPF (Ministério Público Federal) de quebrar vidros e objetos.

Ela fugiu para o Uruguai em janeiro deste ano. Para isso, Jupira usou a fronteira seca de Santana do Livramento (RS), segundo a PF.

A defesa de Jupira não prestou esclarecimentos à reportagem.

Daniel Luciano Bressan, 37, pedreiro e vendedor, de Jussara (PR)

Reprodução de tela do Instagram mostra foto de homem branco de óculos e mensagens
Daniel Luciano Bressan: réu em ação penal - Reprodução/Instagram/Apoiopresopoliticobressan4/10.mai.2024

Réu em ação penal, ele foi acusado pela PGR de participar dos ataques golpistas do 8 de janeiro —ele nega ter entrado no Palácio do Planalto.

Laudo da PF que comparou imagens de Bressan às de uma pessoa que estava no prédio afirma que apenas a orelha do fugitivo se assemelha às imagens das câmeras de segurança. O advogado dele, Ezequiel Silveira, vai apresentar a defesa contra a denúncia nos próximos dias.

Fontes ouvidas pelo UOL dizem que ele fugiu para a Argentina. Em vídeo divulgado nas redes, Bressan divulga a venda de "pulseiras patriotas" para financiar fugitivos no exterior.

"Sou um preso político e, neste momento, um exilado político", afirmou ele no vídeo em que oferece sua conta bancária no Brasil para receber as vendas. Na última sexta-feira (10), ele ofereceu em rede social um Fiat Uno 2015 de cerca de R$ 35 mil em uma rifa virtual criada por um primo.

O UOL consultou três advogados que opinaram que, se a Justiça entender que intenção seja financiar e manter uma fuga, o doador pode ser enquadrado em crime de associação criminosa.

Fátima Aparecida Pleti, 61, empresária, de Bauru (SP)

Imagem dividida em quatro quadros mostra mulher usando roupa verde e amarela
Fátima Aparecida Pleti é uma das condenadas pelo ataque do 8 de janeiro - Reprodução/STF

Foi condenada a 17 anos de prisão por tentar dar um golpe de Estado e tentar abolir o estado democrático de direito. Depois do quebra-quebra em Brasília, ela foi detida, mas conseguiu liberdade condicional mediante o uso de tornozeleira.

O julgamento de Fátima começou em 22 de março. Quatro dias depois, ela quebrou sua tornozeleira, segundo a Justiça de Bauru (SP). A autoridade penitenciária do governo de SP só informou o fato ao Judiciário duas semanas depois, e em 8 de abril, o Judiciário estadual informou ao STF sobre a quebra do equipamento. Não há mandado de prisão público.

Dois advogados da empresária procurados pelo UOL não prestaram esclarecimentos após procurados por telefone e mensagem via celular.

*Colaborou Amanda Cotrim, do UOL, em Buenos Aires.

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