O julgamento do ex-policial penal bolsonarista Jorge Guaranho, que começou nesta quinta-feira (4) em Foz do Iguaçu (PR), foi suspenso após a defesa do réu alegar que novos documentos foram incorporados no processo, sem que houvesse tempo hábil para analisá-los. O júri foi adiado para 2 de maio.
Guaranho é acusado de homicídio duplamente qualificado —em julho de 2022, ele atirou contra o guarda municipal e militante petista Marcelo Arruda.
Trata-se do julgamento de um dos casos mais emblemáticos de violência política durante a disputa pelo Planalto em 2022 –quando Lula (PT) venceu a eleição contra Jair Bolsonaro (PL), no segundo turno do pleito.
O adiamento ocorreu depois que a equipe de advogados do réu abandonou o salão do júri logo após o início da sessão, por volta das 8h30. Os advogados argumentaram que documentos teriam sido incorporados ao processo na tarde de quarta-feira (3).
"São mais de 2.000 páginas. Têm laudos, documentos, cinco horas de vídeo, não tivemos tempo hábil nem mesmo para fazer uma análise", disse o advogado de defesa Samir Mattar Assad.
A defesa também pediu a revogação da prisão preventiva de Guaranho, o que foi indeferido pelo juiz Hugo Michelini Júnior, presidente do Tribunal do Júri. O réu está preso no Complexo Médico Penal, na região de Curitiba, desde 2022.
Assad sustentou que seu cliente estava "debilitado e necessitando de cuidados médicos e paliativos". "Evidente também que o cerceamento de Jorge Guaranho em chegar até Foz do Iguaçu e falar com seus advogados de defesa também prejudicou. Nosso cliente viajou por horas, nem pôde descansar e soubemos a localização dele somente às 21h", afirmou o advogado.
Para o Ministério Público, o adiamento do julgamento não interfere na linha de acusação que será utilizada no próximo dia 2 de maio. "Foi uma afronta às normas processuais. A defesa se portou como a dona da bola, do tipo 'ou é do meu jeito, ou não tem partida'. Infelizmente fomos surpreendidos com essa postura", afirmou o promotor de Justiça Luiz Marcelo Mafra.
"Vamos aguardar o tempo hábil para análise do processo, mas reitero que isso em relação à acusação não muda nada, absolutamente nada. Nós vamos para cima, porque a verdade está a nosso favor", disse Mafra.
Em nota divulgada à tarde, Assad acrescentou que a decisão de abandonar o júri foi "uma medida extrema", mas que "tomada em defesa do jogo limpo e da garantia do amplo direito de defesa". Afirmou ainda que é a primeira vez que opta por deixar o plenário, em mais de 20 anos de carreira.
O advogado Daniel Godoy Júnior, que representa a família de Marcelo Arruda, criticou a postura da defesa do réu. "Eles juntaram 600 documentos no dia 27 de março e não impugnamos, pois entendemos a amplitude de defesa", disse. "Hoje foi uma tentativa de impor uma nulidade ao processo e se valer dessa semeadura para tentar obter vantagem ao cliente deles", continuou o advogado.
Presente no salão do júri e bastante emocionada, a viúva de Marcelo Arruda, Pâmela Silva, afirmou que o sentimento é de desrespeito.
O crime aconteceu quando Arruda comemorava o seu aniversário de 50 anos com a família e amigos em uma festa temática, com símbolos e imagens do PT e de Lula, então candidato a presidente. Arruda era tesoureiro do diretório municipal do PT.
Guaranho invadiu a festa e atirou contra Arruda, que acabou morrendo. Na ação, o petista reagiu e também efetuou disparos contra seu agressor, que ficou ferido e foi internado. Dias depois, teve prisão preventiva decretada.
Em dezembro daquele ano, Guaranho se tornou réu. O juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, aceitou o pedido do Ministério Público do Paraná e acolheu a denúncia contra Guaranho sob a acusação de homicídio duplamente qualificado.
Na avaliação da Promotoria, o assassinato aconteceu por motivo fútil e também resultou em "perigo comum", já que havia outras pessoas na festa que poderiam ter sido atingidas pelos disparos.
Na sua decisão, Arguello apontou que a provável motivação do crime indica uma "personalidade conflituosa, beligerante e intolerante" de Guaranho, que teria invadido a festa de uma pessoa com opinião política diferente da sua "com o aparente fim de antagonizar, confrontar".
Em março de 2023, já no início do seu terceiro mandato no Planalto, Lula se encontrou em Foz com a família de Arruda, "covardemente assassinado por um ódio que não podemos aceitar'', disse o presidente, na ocasião. "Minha solidariedade a sua companheira, Pâmela Silva, e seus filhos, que carregarão a memória e o orgulho do seu pai", afirmou o mandatário na ocasião.
O encontro de Lula com a família ocorreu antes da cerimônia de posse do ex-deputado federal Enio Verri (PT) no comando da Itaipu Binacional.
O Escritório Godoy Advocacia, que representa a família de Arruda em assistência à acusação, disse na quarta que esperava "uma sentença de caráter sancionador e também pedagógico, porque a sociedade brasileira não pode admitir que a intolerância e o ódio persistam instigando a conflagração social".
Para os advogados Daniel Godoy Junior e Andrea Jamur Pacheco Godoy, o caso possui "farto conjunto probatório, testemunhal e de laudos periciais".
Já o advogado de Guaranho disse também na quarta que a defesa buscaria "a absolvição plena" do réu, que "foi vítima da situação ocasionada pelo descontrole da vítima que o agrediu violentamente após troca de ofensas verbais".
Ainda segundo a defesa do réu, "não há motivação política no evento". "Conforme os vídeos e testemunhas do processo, o réu não invadiu a festa atirando, agindo em defesa própria ante a iminência de agressão pela vítima que empunhava arma e não atendeu aos pleitos de baixar sua pistola", disse Assad.
O advogado assumiu a defesa do réu no mês passado, depois de o escritório Dalledone e Advogados Associados renunciar ao caso, alegando "inadimplemento contratual".
Guaranho perdeu o cargo público no último dia 19. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o demitiu no contexto de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado na época do crime, quando Guaranho era servidor da penitenciária federal de Catanduvas (PR).
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