A juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, condenou a jornalista Schirlei Alves, autora de reportagens sobre o caso da influencer Mariana Ferrer, publicadas no site Intercept Brasil, a seis meses de detenção em regime aberto.
Ela também estabeleceu 20 dias de multa quantificada a 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, além de R$ 200 mil de reparação individual ao juiz Rudson Marcos e a mesma quantia ao promotor Thiago Carriço, que atuaram no caso, num total de R$ 400 mil.
Em sua decisão, a juíza considerou que Schirlei cometeu o crime de difamação, previsto no Código Penal, contra funcionário público, em razão de suas funções, por meio que facilitou a divulgação do crime.
A decisão do processo, que corre sob segredo de Justiça, é de 28 de setembro e foi obtida pela Folha. Ela decorre de ação movida pelo juiz e pelo promotor, que alegaram danos morais cometidos pela jornalista. A defesa de Schirlei informou que já recorreu da sentença. Em nota, a jornalista afirmou que "o sentimento é de injustiça".
A presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Katia Brembatti, repudiou a decisão e disse que criminalizar a jornalista "é uma decisão desproporcional e fere a liberdade de imprensa".
"Punir uma repórter por tornar público algo que interessa a toda a sociedade é mais que um contrassenso, abre um caminho perigoso. Espero que a instância superior corrija o erro e afaste qualquer condenação criminal à jornalista", disse.
Katia também afirmou ser preocupante a imposição de "indenização exorbitante e totalmente incompatível com sua renda, o que mostra uma tentativa de intimidar e silenciar os jornalistas".
"Estou sendo punida por ter feito o meu trabalho como jornalista, por ter revelado ao público um absurdo de poder cometido pelo Judiciário. Essa decisão me parece uma tentativa de intimidação, de silenciamento não só da minha pessoa, mas de outros jornalistas que cobrem o Judiciário", afirmou Schirlei.
A reportagem do Intercept Brasil divulgou imagens da audiência de instrução de 2020 em que a influenciadora foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprá-la em dezembro de 2018. Aranha acabou absolvido naquela ação penal e também em segunda instância.
O veículo usou a expressão "estupro culposo" (sem intenção) para se referir à tese da Promotoria —o termo não foi utilizado no processo— em reportagem assinada pela repórter.
No mesmo dia, o site incluiu uma nota aos leitores em que esclarecia que a expressão foi usada "para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo".
Antes mesmo da publicação do Intercept, Schirlei Alves assinou, em setembro, outra reportagem tratando do desfecho do caso, publicada no portal ND+. A expressão "estupro culposo" também consta desse texto.
Andrea Cristina considerou, em sua decisão, que a repórter atribuiu ao juiz a utilização de uma tese inédita de "estupro culposo", o que configuraria crime de difamação. Ela afirmou que as consequências da reportagem foram "nefastas" e "alcançaram principalmente o público de todo o Brasil".
"A liberdade de expressão, como uma pré-condição para o exercício dos demais direitos e liberdades, detém uma configuração de destaque e preferência no Estado democrático brasileiro. Porém, o exercício deste direito não pode ultrapassar o direito à honra da vítima em razão da divulgação de notícias falsas ou fora do contexto da realidade", disse a juíza.
Embora tenha ressaltado que a jornalista não tem antecedentes criminais e que o crime foi cometido sem violência na conduta ou grave ameaça à pessoa, ela disse identificar três circunstâncias judiciais desfavoráveis: culpabilidade, motivo e consequências do crime, em razão das "consequências do conteúdo difamatório em vários segmentos da sociedade".
O advogado da jornalista e do Intercept Brasil, Rafael Fagundes, disse que a defesa está inconformada com a sentença, "que ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal".
"Além disso, a sentença cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema. Incapaz de esconder preocupações corporativistas, essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário", disse.
Schirlei foi colaboradora da Folha em 2022 e 2023, produzindo reportagens.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aplicou na terça-feira (14) uma pena de advertência ao juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, pelo caso Mariana Ferrer.
A sanção é a mais leve prevista na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e é aplicada ao magistrado que age de forma negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo, em processos administrativos disciplinares.
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