Em 5 pontos, entenda esquema sob Bolsonaro para desvio de joias, segundo a PF

Ex-presidente e mais 11 foram indiciados; ele teria usado estrutura do governo para desviar presentes de alto valor

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São Paulo

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), retirou na segunda-feira (8) o sigilo do caso da venda de joias recebidas como presentes de autoridades estrangeiras pelo governo brasileiro, pelo qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal.

O ex-presidente já tinha sido alvo de busca e operação sobre o assunto. A corporação aponta Bolsonaro como suspeito de ter montado um esquema para desviar os itens durante o seu mandato. Os crimes, segundo a PF, são de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.

Alguns dos principais aliados do ex-mandatário foram indiciados: Fabio Wajngarten, o general Mauro Lourena Cid, o tenente-coronel Mauro Cid, o advogado Frederick Wassef, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, dentre outros.

Moraes considerou que, com o relatório final do caso apresentado pela PF na semana passada, não há razão para manter o processo sob sigilo. A PGR (Procuradoria-Geral da República) tem o prazo de 15 dias para pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar denúncia.

Entenda, em 5 pontos, as suspeitas da Polícia Federal e o indiciamento do ex-presidente.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Danilo Verpa/Danilo Verpa - 25.jul.2023/Folhapress

1) O que diz a investigação?

Segundo relatório da PF, as investigações apontaram a suspeita de que Bolsonaro utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes oferecidos a ele por autoridades estrangeiras. O valor de mercado dos itens chega a R$ 6,8 milhões.

Um desses presentes foi um kit de joias levado a leilão nos Estados Unidos, mas não houve interessados. De acordo com a PF, mensagens trocadas entre Bolsonaro e Mauro Cid mostram que o ex-presidente sabia da tentativa de venda. A análise do celular de Bolsonaro reforça essa suspeita, já que a página da empresa Fortuna Auction, responsável pelo leilão, consta do histórico de navegação.

Pouco depois do leilão frustrado, começou, segundo a investigação, uma "operação resgate" das joias, acelerada pela reportagem do jornal o Estado de S.Paulo que revelou o caso.

O documento da PF também cita um depoimento do general da reserva Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em que o militar afirma que entregou US$ 68 mil ao ex-presidente, de forma fracionada, pela venda de relógios recebidos pela Presidência.

A investigação ainda indica que, em 30 de março, ocasião em que representantes de Bolsonaro reclamaram de procedimentos do TCU, auxiliares do ex-presidente concluíam as providências para reaver todo o material evadido do país para, então, entregá-lo ao Estado brasileiro. A reclamação, na prática, teria sido uma estratégia para ganhar tempo.

2) Voo presidencial

As investigações identificaram que Bolsonaro e auxiliares retiraram do país, no avião presidencial, pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.

A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera do último dia de mandato de Bolsonaro, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).

Foram levados três itens para avaliação e venda no país. Um era o conjunto com joias e relógio da grife Chopard, anunciado pela Fortuna Auction com preço estimado de US$ 120 mil a US$ 140 mil, ou seja, de cerca de R$ 611 mil a R$ 713 mil, conforme a cotação da época. O leilão foi aberto no começo de fevereiro, mas não houve compradores.

Os outros itens são relógios, um Rolex e um Patek, vendidos por um valor de R$ 333 mil, e um barco dourado, sem identificação de procedência. Frederick Wassef, um dos advogados de Bolsonaro, precisou comprá-lo novamente após manifestação do TCU para devolução ao patrimônio público.

3) Quem foi indiciado

Além do ex-presidente Bolsonaro, entre os indiciados está o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, também incluído no rol da PF. Além deles, estão Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência.

Também constam na lista Fabio Wajngarten, um dos assessores de Bolsonaro, além do ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, José Roberto Bueno Júnior, ex-chefe de gabinete do Ministério de Minas e Energia e Júlio Cesar Vieira Gomes, ex-secretário da Receita Federal.

O ex-chefe do setor de presentes durante o governo passado, Marcelo Vieira e Marcos André do Santos Soeiro, ex-assessor de Bento Albuquerque, completam o rol de indiciados.

4) Qual a origem da investigação?

A PF tem investigado o caso desde março de 2023. Bolsonaro e Mauro Cid, por exemplo, prestaram depoimentos sobre as joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita em outubro de 2021.

Naquela ocasião, um militar que assessorava o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou desembarcar no Brasil, após viagem ao Oriente Médio, com artigos de luxo na mochila. Estes artigos foram entregues como presentes oficiais da Arábia Saudita ao governo brasileiro.

Como não tinham sido declarados, os bens foram apreendidos pela Receita Federal —o caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo em março.

Como mostrou a Folha, o ex-mandatário chegou a discutir o assunto com o então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes em dezembro de 2022.

Um segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos também da marca suíça de diamantes Chopard e depois entregues a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita, como mostrou a Folha.

A regulação de presentes recebidos pelos chefes de Estado em viagens oficiais teve idas e vindas. Em 1991, foi sancionada a primeira lei sobre o patrimônio adquirido durante a passagem de um presidente pelo Palácio do Planalto.

Onze anos depois, em 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) regulamentou a lei, com a preservação do acervo sendo privada, mas os itens recebidos em eventos denominados de "cerimônias de troca de presentes" incorporados à União.

O TCU, em acórdão de 2016, interpretou que o recebimento de presentes em qualquer cerimônia com outros chefes de Estado ou de governo deveria ser considerado patrimônio público. Foram excluídos apenas os itens de natureza personalíssima, como medalhas personalizadas e grã-colar, ou de consumo direto, como bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes.

5) O que Bolsonaro já disse sobre o caso?

Jair Bolsonaro ironizou o erro da PF sobre o valor do suposto desvio de joias: "Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias 'desviadas' estão na CEF [Caixa Econômica Federal}, Acervo ou PF [Polícia Federal], inclusive as armas de fogo", disse nas redes sociais.

Documento da PF enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) afirmava que o valor dos bens somava R$ 25 milhões (US$ 4.550.015,06). Durante a tarde, porém, o órgão corrigiu o dado. O valor total é de R$ 6,8 milhões (US$ 1.227.725,12). A quantia correta era mencionada em outros trechos.

Bolsonaro não se manifestou sobre as evidências de que ele tinha conhecimento da tentativa de venda das joias.

A defesa do ex-presidente já disse que ele põe sua movimentação bancária à disposição das autoridades, que ele jamais se apropriou ou desviou quaisquer bens públicos e que ele, voluntariamente, pediu ao TCU a entrega de joias recebidas até decisão final sobre seu tratamento.

Quando o caso veio à tona, Bolsonaro disse, inicialmente, não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.

Em depoimento dado à PF, o ex-presidente afirmou ter tido conhecimento sobre as joias apreendidas na Receita 14 meses após o ocorrido. Segundo a defesa, após saber do caso, em dezembro de 2022, Bolsonaro buscou informações para evitar um suposto vexame diplomático caso os presentes fossem a leilão.

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