Um juiz e um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal censuraram a revista Piauí em decisões que ordenam a retirada de nomes de uma reportagem e que implicam o recolhimento da publicação das bancas.
A reportagem, do jornalista Breno Pires, é intitulada "O Cupinzeiro" e trata da desidratação do Mais Médicos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com relatos de casos de nepotismo, irregularidades administrativas e de assédio moral na agência que tocou o programa Médicos Pelo Brasil.
São mencionados na reportagem amigos de ex e de atuais dirigentes do órgão que assumiram cargos. Um casal, Lucas Wollmann e Diani de Oliveira Machado, que respectivamente foram contratados para a gerência de formação, ensino e pesquisa e para a assessoria da diretoria técnica, ingressou na Justiça pedindo a censura da reportagem.
Eles solicitaram que a publicação fosse removida do ar e que a edição da revista fosse retirada de circulação.
Em junho, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho decidiu em parte a favor do casal. Ele determinou a supressão do nome dos dois dos textos publicados na internet e também dos exemplares da edição 201 da revista Piauí, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.
A revista recorreu da decisão e argumentou que "o conteúdo da matéria é estritamente narrativo, baseado em documentos oficiais e fontes fidedignas". As advogadas Taís Gasparian, Mônica Filgueiras e Ana Luisa Barbosa afirmam ainda que a existência de indícios de irregularidades levou a uma investigação interna e que a diretoria da agência foi afastada.
No entanto, o desembargador Robson Teixeira de Freitas manteve a decisão de primeira instância.
Segundo ele, "a restrição à divulgação do nome e da imagem dos agravados [o casal] na publicação ora impugnada não implica prejuízo imediato e irreparável ao exercício da atividade jornalística da agravante [a Piauí], sobretudo por se tratar de medida facilmente reversível, tanto nas futuras reedições impressas quanto nas digitais".
A Piauí afirma que as decisões implicam o recolhimento dos exemplares físicos da revista.
"Como a edição já havia sido distribuída no início do mês de junho, e o juiz estava informado disso, a consequência inevitável de sua decisão era o recolhimento da edição das bancas –dado que seria impraticável contratar um exército de pessoas que, munidas de canetas, saíssem riscando os nomes do casal de cada um dos exemplares distribuídos a mais de 5 mil pontos de venda no país", afirma a revista.
A publicação diz ainda que cumpriu a decisão e já apresentou recurso ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
O diretor de redação da Piauí, André Petry, diz que "chama a atenção que ainda hoje seja preciso ir às mais altas instâncias do Judiciário brasileiro para fazer valer os aspectos mais elementares do preceito constitucional da liberdade de imprensa".
Também procurados, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho e o desembargador Robson Teixeira de Freitas informaram por meio da assessoria do Tribunal de Justiça que juiz "não comenta decisão judicial por vedação legal" e que "qualquer questionamento com relação à decisão judicial, deve ser feito no âmbito do processo, conforme rito legal".
Foi destacado, porém, que na decisão de Hilmar, o magistrado diz que "não foi possível verificar que a matéria questionada tenha seguido os parâmetros éticos da atividade".
"Em que pese a denúncia realizada, a parte autora não foi ouvida acerca dos fatos e tampouco houve oferta de espaço para a versão da pessoa atingida."
O advogado de Lucas Wollmann e de Diani de Oliveira Machado, Mateus Henrique de Carvalho, disse que "não há pedido de censura".
"Em verdade, a decisão judicial apenas determina a supressão dos nomes dos autores, mantendo íntegra a publicação da reportagem", afirma o advogado —o pedido da defesa, porém, foi de retirar a reportagem do ar.
"Acredito que basta a leitura do processo judicial para compreender que a revista violou o direito e a garantia constitucional ao contraditório e ampla defesa das partes, muito caro no Estado democrático de Direito que vivemos", disse Carvalho, que afirma também que os autores não foram ouvidos antes da publicação da reportagem.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.