A Câmara dos Deputados avança para aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que estabelece a maior anistia da história a irregularidades eleitorais cometidas por partidos políticos, que só em 2022 receberam R$ 6 bilhões dos cofres públicos.
Com o apoio de governo e oposição, ela foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em um primeiro passo para o seu andamento. Agora uma comissão especial já foi instalada, e o passo final e seguinte será a votação em plenário.
O Congresso já havia perdoado em 2022 os partidos pelo descumprimento da cota de gênero em eleições e em exercícios anuais anteriores, o que impediu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos.
Para ser aprovada em plenário, uma PEC precisa do apoio mínimo de 60% dos parlamentares (308 de 513 na Câmara e 49 de 81 no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa. Caso isso ocorra, ela é promulgada e passa a valer, não havendo possibilidade de veto do Poder Executivo.
1) O que é a PEC? O texto proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a sua promulgação (incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas a mulheres e negros nas eleições), além de limitar a atuação da Justiça Eleitoral na punição de irregularidades e reduzir a cota de candidatos negros para 20%.
2) Quem defende a anistia? A PEC 9/2023 é assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ). O texto leva a assinatura de 13 partidos e federações, sendo que os principais são o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro (40 deputados assinam), a federação liderada pelo PT de Lula (33), além de PSD (33), MDB (29), PP (17), Republicanos (15) e Podemos (8).
3) Cota para negros e mulheres fazem parte da anistia? Sim. O primeiro artigo da PEC estende para a disputa de outubro de 2022 a anistia aos partidos que não cumpriram a cota mínima de repasse de recursos públicos a mulheres e negros. Além disso, diminui a cota de candidatos pretos e pardos para 20%, em redução ao estabelecido pelo TSE de destinar 50% do valor.
Se aprovada, a proposta consolida a total impunidade ao descumprimento generalizado dessas cotas, que entraram em vigor vagarosamente ao longo do tempo visando estimular a participação de mulheres e negros na política.
Em abril de 2022, o Congresso já havia aprovado e promulgado uma PEC anistiando as legendas pelo não cumprimento das cotas nas eleições anteriores.
Motivada pela impunidade ou não, o fato é que partidos têm reiteradamente descumprido essas cotas. Como a Folha mostrou, as cúpulas dos três Poderes só tiveram quatro mulheres após a ditadura militar (1964-1985) e seguem masculinas e brancas até hoje.
4) Falhas dos partidos detectadas por análises do TSE serão ignoradas com a anistia? Sim. O segundo artigo da PEC estabelece que "não incidirão sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nas prestações de contas de exercício financeiro e eleitorais dos partidos políticos que se derem anteriormente à promulgação desta alteração de Emenda Constitucional".
Ou seja, uma vez aprovada a PEC, ficariam praticamente inócuas as análises pela Justiça Eleitoral das contas dos partidos relativas à aplicação do dinheiro público no seu dia a dia e nas eleições.
Há um longo histórico de malversação de dinheiro público pelas legendas e de uso para gastos de luxo, como compra de helicópteros, imóveis, carros de mais de R$ 100 mil, além de vultosos gastos em restaurantes.
5) O que diz a PEC sobre a atuação da Justiça Eleitoral? O relatório inclui ainda uma trava a punições futuras às legendas, determinando que a Justiça só poderá bloquear 10% do fundo partidário para aplicação de penalidades. Punições a siglas que não lançaram nem 30% de mulheres nas eleições, como manda a lei, também serão perdoadas caso a decisão judicial de punição resulte, na prática, em cassação do mandato de mulheres.
6) Anistias como a preparada agora são comuns? Sim. Nas minirreformas eleitorais aprovadas pelo Congresso no ano anterior a cada eleição, tem sido comum o afrouxamento de regras e da fiscalização, o que inclui em determinados momentos perdão aos que descumprem a lei —mas até agora nada foi aprovado com a magnitude que a atual proposta de anistia prevê.
7) Qual a justificativa oficial para essa anistia? Parlamentar que encabeça a PEC, Paulo Magalhães (PSD-BA) assina a justificativa da proposição. No texto, ele não faz menção à anistia geral das prestações de contas partidárias e diz que o perdão ao não cumprimento das cotas também em 2022 visa "preservar a estabilidade das eleições e garantir segurança jurídica" em decorrência, entre outros pontos, de uma suposta dúvida sobre a abrangência da regra (se nacional ou regional).
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.