A cena da comemoração da primeira-dama Michelle Bolsonaro na aprovação de André Mendonça a uma das cadeiras no STF (Supremo Tribunal Federal) reflete uma amizade que começou no início do governo Jair Bolsonaro (PL) e teve como ponto de encontro justamente a religiosidade.
Embora de denominações diferentes —Michelle é da Igreja Batista e André, pastor presbiteriano—, ambos são evangélicos.
Apesar de ter atuação discreta e ser pouco afeita a articulações políticas, segundo relatos, a primeira-dama teve papel fundamental na manutenção do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) como indicado.
Nos meios jurídico e político dizem que ela não só o defendeu para a vaga, como atuou junto ao marido para que ele não retirasse a indicação.
Auxiliares palacianos dizem que a vaga no Supremo opôs alas do governo e até da família do presidente, muito pressionado durante os quase cinco meses de espera para trocar de escolha.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), inicialmente, indicava preferência pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para a cadeira na mais alta corte do país.
Coube a Michelle o maior apoio a Mendonça na família. De acordo com aliados de Bolsonaro, caso o presidente decidisse retirar a indicação, ele corria o risco de se indispor com a primeira-dama.
Segundo relatos, Mendonça esteve em ao menos dois cultos no Palácio do Planalto acompanhado da família enquanto estava no governo e, na reta final de sua indicação, recebeu votos de torcida e de oração da primeira-dama.
Após o resultado no Senado, Mendonça e a esposa voltaram a se encontrar com Michelle para agradecer pelo respaldo.
Ainda que o empenho da esposa de Bolsonaro tenha sido fundamental, pastores e até mesmo Mendonça dizem que ele foi apenas uma parcela da mobilização que ocorreu entre lideranças evangélicas.
A ida do "irmão em Cristo" André Mendonça, como dizem, ao Supremo, provocou uma das maiores uniões do segmento evangélico em décadas.
Inclusive, líderes evangélicos ouvidos pela Folha disseram ter exigido de Bolsonaro mais empenho pela aprovação do indicado na reta final sob pena de o presidente perder apoio do segmento. Isso gerou manifestações públicas de apoio de Bolsonaro na semana da sabatina de Mendonça.
O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, disse que Mendonça foi "unanimidade no mundo evangélico". "Se alguém fala contra o André, não tem representatividade nenhuma."
Ele foi um dos que mais atuaram na linha de frente mobilizando fiéis para cobrarem votos de seus senadores e, claro, pressionarem o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pautar a sabatina.
"Sabíamos que tinha um jogo pesado, inclusive de membros do governo, contra o André. E nós jogamos pesado, jejuamos, fiz vídeo, Twitter que saiu na imprensa, dissemos que Alcolumbre ia receber recompensa da maldade dele", afirmou.
O senador do Amapá segurou por mais de quatro meses a sabatina do segundo indicado de Bolsonaro ao Supremo. Além disso, trabalhou contra até o último segundo.
Não à toa o próprio Mendonça atribuiu a Deus, literalmente, a sua vitória, pois disse ter sido capaz de vencer a articulação contrária de pesos pesados como Renan Calheiros (MDB-AL) e Alcolumbre somente graças a uma força divina.
A crença de que foi a oração que mudou os ventos é compartilhada por pastores ouvidos pela reportagem. Eles relatam que, no momento em que o ex-AGU era sabatinado, centenas de fiéis oravam e jejuavam simultaneamente.
Da mesma forma, no dia que antecedeu a sabatina, cerca de 70 pastores de todo o país chegaram a Brasília e fizeram uma romaria nos gabinetes para pedir apoio ao "terrivelmente evangélico". Alternavam entre pedir votos e orar nos corredores do Senado.
Pastor Guaracy Jr., da Quadrangular do Amapá, foi um dos que fizeram o trabalho de formiguinha em Brasília. "Acredito no poder da oração e do trabalho. Falei com mais de 30 senadores pessoalmente, por telefone, uns 10, e mandei mensagem a todos", contou.
Segundo os cálculos do pastor, cerca de 50% dos retornos foram positivos, inclusive da bancada do PT.
O placar de Mendonça foi o mais apertado dentre os ministros do Supremo: 47 votos a favor contra 32. O mínimo necessário era de 41.
Segundo relatos, o jantar só aconteceu por pressão de líderes evangélicos no Congresso sob Bolsonaro.
Depois da sabatina de oito horas, o ex-AGU fez do gabinete do senador Luiz do Carmo (MDB-GO) um QG para acompanhar o desenrolar no plenário do Senado.
De lá, acompanhavam líderes evangélicos, a primeira-dama, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
Ainda que Damares não conte com a simpatia da bancada evangélica, por uma disputa ainda na transição, que fez com que fosse escolhida em vez de Magno Malta, indicação da frente, Damares também ajudou na caminhada de Mendonça.
O ex-colega de Esplanada ligou para ela, depois que foi aprovado, para agradecer pelas orações e palavras de encorajamento durante os meses de espera, segundo pessoas próximas à ministra.
De acordo com relatos, ela o acompanhou em encontro com líderes evangélicos nos estados, mesmo antes de Bolsonaro anunciar seu nome.
Damares é pastora e tem bom trânsito. Acompanhou, com Michelle e a família de Mendonça, no gabinete do senador goiano, a proclamação do resultado.
Enquanto isso, no plenário, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) corria para garantir os apoios do ex-AGU. Quando o plenário anunciou os 47 votos, ele conta que chegou ao QG dos evangélicos um minuto e meio depois, na hora para cantarem a música "Sou um Milagre".
Coincidência ou não, o hit gospel não poderia ter um refrão mais adequado à saga de Mendonça: "Aquilo que parecia impossível/ Aquilo que parecia não ter saída/ Aquilo que parecia ser minha morte/ Mas Jesus mudou minha sorte/ Sou um milagre e estou aqui".
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