Horas após afirmar em redes sociais que era falso o convite para um churrasco no Palácio da Alvorada que ele mesmo havia anunciado, o presidente Jair Bolsonaro gastou parte da tarde deste sábado (9) em um passeio de moto aquática no Lago Paranoá, um dos cartões postais de Brasília.
O passeio de Bolsonaro ocorreu no dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortos pela Covid-19, o que motivou decretação de luto pelas cúpulas do Legislativo e do Judiciário.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil atingiu 10.627 mortes em decorrência do coronavírus, com 730 mortes confirmadas nas últimas 24 horas.
A ação do presidente não foi informada oficialmente —o Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência, é banhado pelo lago Paranoá.
A assessoria de imprensa da Presidência afirmou que, por se tratar uma agenda privada, não tinha informações a passar aos jornalistas. Fotos e vídeos do passeio de Bolsonaro foram publicadas pelo site Metrópoles.
Bolsonaro foi gravado também ao encostar a moto aquática ao lado de uma lancha em que pessoas, que se identificaram como funcionários de uma companhia aérea, faziam um churrasco.
"A gente veio fazer o teu churrasco, né, cara. (...) Ai que querido, cara", exclamou a mulher que fazia o vídeo. Ela avisou a Bolsonaro que estava gravando, e ele consentiu.
"Se a gente não cuidar, vai entrar em caos", disse o presidente ao grupo. "É uma neurose, 70% vai pegar o vírus, não tem como. É uma loucura", completou, se referindo provavelmente às medidas de distanciamento e isolamento sociais adotadas por governadores e prefeitos e recomendadas pela quase totalidade das autoridades de saúde.
Em meio ao passeio de Bolsonaro, Judiciário e Legislativo decretaram luto. Câmara e Senado hastearam a bandeira a meio-mastro e declararam ficarem "proibidas quaisquer celebrações, comemorações ou festividades, no âmbito do Congresso Nacional, enquanto durar o luto".
Já o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, divulgou nota afirmando que "os números, por si só, não dão conta do tamanho da tragédia" e que "cada vítima tinha um nome e projetos de vida que foram interrompidos, bem como familiares e amigos que agora sofrem com essa grande perda".
Também neste sábado, militantes bolsonaristas voltaram a realizar carreata em apoio a Bolsonaro em Brasília, parando em frente ao Congresso para um ato. Os militantes seguiram depois para a frente do Palácio do Planalto, esperando que o presidente fosse ao local, como no domingo passado, mas ele não compareceu.
Lá, fizeram “tiro ao alvo” contra um carta com os rostos do ministro do STF Alexandre de Moraes, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do ex-ministro Sergio Moro, da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) e dos governadores João Dória (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ).
Locutores nos carros de som a todo momento alertavam para os participantes não defenderem intervenção militar e o fechamento das instituições.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem minimizado o impacto do coronavírus e se colocado contra medidas de distanciamento social, atitude que culminou na demissão de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e, nesta semana, em uma marcha com empresários ao STF.
Apesar de dizer lamentar as mortes, o presidente tem dado declarações às vezes em caráter irônico quando questionado sobre as perdas humanas com a Covid-19. Como na ocasião em que afirmou não ser coveiro ou quando disse: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre."
Oficialmente, o governo do DF afirma que a responsabilidade pelo Lago Paranoá é da Marinha do Brasil. Interlocutores do governador Ibaneis Rocha (MDB), no entanto, dizem que a ação contraria decreto local que restringiu o acesso a clubes à beira do lago apenas à manutenção das embarcações. A intenção do chefe do Executivo da capital é a de limitar lanchas e motos aquáticas no local e a consequente aglomeração.
O 7ª Distrito Naval da Marinha, responsável pela região, afirmou que “não há, por parte da instituição, restrições quanto às embarcações autorizadas a navegar no lago Paranoá, cabendo ao governo do DF defini-las”.
O passeio de Bolsonaro virou motivo de ironia do ex-presidente Fernando Collor, que, em uma rede social, afirmou que, "se continuar assim, vai afundar". Bolsonaro é alvo de uma série de pedidos de impeachment na Câmara.
O hoje senador Collor deixou o governo em 1992 após enfrentar esse processo no Congresso. Em seus dias na Presidência, costumava andar de moto aquática.
O churrasco previsto para este sábado no Alvorada foi cancelado após a repercussão negativa. Em tom de ironia, o presidente chegou a dizer que já havia convidado mais de 3.000 pessoas para o evento.
Bolsonaro foi bastante criticado nas redes sociais pelo anúncio do evento festivo, o que, além de coincidir com a expressiva marca de mortos pelo coronavírus, contraria frontalmente as recomendações de distanciamento social feitas pelas autoridades sanitárias, incluindo o Ministério da Saúde.
No fim da manhã deste sábado, o próprio Bolsonaro foi a uma rede social atacar a imprensa e dizer que era mentira o que ele mesmo havia dito sobre o churrasco.
"Alguns jornalistas idiotas criticaram o churrasco FAKE, mas o MBL se superou, entrou com AÇÃO NA JUSTIÇA", escreveu o presidente da República, fazendo menção ao Movimento Brasil Livre, que, na sexta-feira, protocolou uma ação na Justiça de Brasília para tentar impedir o churrasco.
O MBL pedia na ação que, caso realizasse o churrasco, Bolsonaro fosse multado em R$ 100 mil, valor que, caso ele viesse a pagar por ter decidido realizar o evento de qualquer forma, deveria ser revertido em ações de combate ao coronavírus.
Na sexta-feira, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, fez piada quando questionado se haveria o churrasco neste sábado e reclamou, ainda em tom de brincadeira, do valor da vaquinha para a compra das carnes.
"O presidente ainda não falou comigo sobre churrasco, e está caro. R$ 70 tá muito caro", disse Mourão no fim da tarde de sexta-feira, após deixar uma reunião com Bolsonaro e outros ministros no Ministério da Defesa.
Na quinta-feira (7), o presidente havia dito que faria um churrasco apenas com a presença de sua equipe ministerial, cerca de 30 pessoas, o que foi criticado por deputados e senadores por desobedecer as recomendações das autoridades de saúde.
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