A hipótese de ter que expulsar deputados que votaram na reforma da Previdência contra a determinação partidária colocou siglas como PDT e PSB em uma encruzilhada.
Os dois partidos, que tinham fechado questão pelo voto contra o texto na sessão de quarta-feira (10) na Câmara, abrirão processos que podem ter a expulsão dos dissidentes como resultado final.
No entanto, como um parlamentar expulso pode manter o mandato e ir para outra sigla, partidos que têm casos de rebeldes discutem eventuais prejuízos com as saídas e já admitem punições mais brandas, por vias paralelas.
Dos partidos que optaram pelo fechamento de questão (obrigaram o voto de uma determinada forma após decisão de órgãos deliberativos internos), PDT e PSB foram os que tiveram mais problemas.
No primeiro, 8 parlamentares —entre eles Tabata Amaral (SP)—, de um total de 27, votaram a favor da reforma, em vez de contra. No segundo, 11 rebeldes também deram sim ao projeto, em uma bancada de 32 deputados.
O PSDB teve um voto em desacordo com a orientação —a tucana Tereza Nelma (AL) marcou não ao projeto, contrariando a ordem de dizer sim.
Outras legendas falharam na construção de unanimidade, mas as divergências não devem acarretar maiores consequências porque não havia fechamento de questão, apenas orientação de voto, que tem peso menor e não necessariamente embute sanções.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, confirmou nesta quinta-feira (11) que a comissão de ética do partido abrirá procedimento contra os desobedientes sob o argumento de que desrespeitaram convenção da legenda em março que estabeleceu posição contrária a mudanças no sistema previdenciário.
Segundo ele, o processo deve durar de 45 a 60 dias. Caberá ao colegiado apresentar um parecer, mas a palavra final sobre penalidades será dada pelo diretório do PDT.
Por causa da infidelidade partidária, os partidos podem aplicar penas mais leves que a expulsão, como advertência, suspensão e remoção de postos de comando.
Lupi disse à Folha que a legenda está estudando opções para adotar “uma atitude cirúrgica” com os dissidentes.
“Ao mesmo tempo que não adianta ter deputado que não vota com o partido, também não vamos dar ao deputado a opção de poder mudar do partido sem ter nenhuma punição. Tudo isso nós estamos avaliando para ter uma atitude cirúrgica”, afirmou.
O entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é que partidos não podem propor ação de perda de cargo eletivo depois de expulsar um parlamentar. Ou seja: quem sai carrega o mandato.
“Eu também não sou criança. Já tem um parecer de que, em caso de expulsão, não cabe ao partido pedir o mandato”, disse o dirigente. Além de perder poder, há risco de queda no repasse de recursos dos fundos públicos, debate que acabaria parando na Justiça.
Uma estratégia que começa a ser considerada para punir os dissidentes é retirá-los de comissões da Câmara. O líder André Figueiredo (PDT-CE) disse que vai reavaliar a distribuição de cadeiras. “É uma injustiça a gente deixar quem está seguindo a orientação partidária de fora e quem não seguiu, dentro”, afirmou.
Dos 4 membros titulares do PDT na Comissão de Constituição e Justiça, 2 votaram no plenário a favor da reforma, contrariando a legenda. Já Tabata faz parte da Comissão de Educação. A indicação de integrantes dos colegiados é prerrogativa do líder da bancada.
Figueiredo, no entanto, não quis indicar quais deputados devem perder espaço nas comissões. “Tudo vai ser reavaliado, eu não vou exemplificar.”
Principal líder do PDT e candidato à Presidência em 2018, Ciro Gomes fez chegar a público nesta quinta a defesa de rigor na punição aos infiéis. Segundo Lupi, o ex-ministro quer a expulsão desses deputados. “Hoje mesmo, ele [Ciro] ficou irritado e disse: ‘Não adianta ter o que não se possui’”, relatou o dirigente.
Em evento na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, à tarde, Ciro falou que Tabata deveria deixar o PDT e se mostrou decepcionado com ela.
“É certo que, em minha opinião, ela cometeu um erro indesculpável, mas vale lembrar que a deputada tem 25 anos e ainda é uma idade em que as pessoas podem errar. Embora, no caso, um erro desse, contra a melhor tradição do trabalhismo brasileiro e contra o povo mais pobre, é um erro que não pode passar impune”, afirmou o ex-governador.
“Não acho, francamente, que ela tenha mais lugar para ficar no PDT. Acho que ela deveria sair, assim como os outros deputados do partido que votaram a favor da reforma também”, completou ele.
Sob intensas críticas, Tabata não se pronunciou sobre o assunto nesta quinta.
No PSB, o discurso oficial também é de endurecimento. A legenda recebeu representações contra os deputados que devem ser reunidas em um documento a ser enviado para o conselho de ética. O processo deve ser instaurado na segunda-feira (15).
“O PSB não perde o que não tem”, disse o presidente nacional da sigla, Carlos Siqueira, sobre as possíveis expulsões. “O partido possui história, princípios, programa. Não podemos ser condescendentes com pessoas que traem os ideais do partido e a população.”
Siqueira recorre a um exemplo recente na sigla para dizer que não teme a saída de quadros. Em 2017, o PSB decidiu expulsar 13 deputados que votaram a favor da reforma trabalhista. Na prática, eles conseguiram questionar na Justiça um aspecto formal do processo e acabaram liberados.
Entre os insurgentes de então estava Átila Lira (PI), que na Previdência voltou a desconsiderar a ordem do partido.
“Foi reincidente. É um erro que eu assumo. Deveria ter saído naquela época”, disse Siqueira, acrescentando que o novo episódio deixa uma lição para o PSB. “Precisamos ser mais rigorosos na escolha de candidatos. Essa vai ser a tônica a partir de agora”, assinalou.
Nos bastidores, contudo, líderes do PSB iniciaram conversas para baixar a temperatura, advogando que o processo corra em ritmo cauteloso e que se busque um canal de diálogo com os dissidentes.
O PSDB, que tem 29 deputados, não se pronunciou nesta quinta sobre o caso de Tereza Nelma. No dia anterior, a legenda havia indicado que aplicaria “as sanções previstas no estatuto”. A assessoria da parlamentar afirmou que ela não se manifestará sobre o tema neste momento.
O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, já disse ser contra a expulsão. Líderes tucanos admitiram que a sigla poderá impor a Tereza obstáculos em futuras eleições, como, por exemplo, não garantir legenda para ela no pleito.
Para a professora Marilda Silveira, também advogada especialista em direito eleitoral, a jurisprudência que deu aos parlamentares expulsos a posse do mandato acabou por desestimular os partidos a se livrar dos filiados infiéis.
“Como perdem representatividade, a tendência é que as legendas evitem expulsar. A impressão agora é a de que não vão cortar na carne”, diz a docente do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).
O cientista político Glauco Peres afirma que, entre PDT e PSB, seria mais provável que o primeiro avançasse na direção da expulsão, “em razão das pretensões eleitorais” de Ciro, que deve tentar o Planalto.
“É compreensível que ele adote esse comportamento, já que se coloca como líder do partido e precisaria dar um sinal de que está comprometido com certos princípios”, opina.
Colaboraram Catia Seabra, do Rio, e UOL
Relação entre deputados e partidos
Fidelidade partidária
A Constituição e as leis brasileiras estabelecem a fidelidade partidária como princípio e asseguram às siglas o direito de estabelecer regras para o cumprimento, bem como sanções em caso de desobediência
Fechamento de questão
O fechamento de questão é quando uma instância da sigla estabelece a forma como os parlamentares devem votar um determinado projeto. O descumprimento pode acarretar as punições previstas no estatuto
Mandato
O entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é que o partido não pode requerer o mandato de um parlamentar que tenha sido expulso por ele. O político que foi afastado pode se filiar imediatamente a outra legenda
Expulsão
Geralmente o processo é aberto após alguma representação. A direção do partido encaminha o caso à comissão de ética, que instaura um procedimento e deve garantir amplo direito de defesa. A direção recebe o relatório e dá a palavra final
Outras sanções
As punições para infidelidade, como no caso de desobediência ao fechamento de questão, estão no estatuto da legenda. Há gradações que vão de advertência e censura pública até expulsão. No caso de parlamentares, a lei admite, por exemplo, desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas e perda de funções
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