Clóvis Rossi era um gigante, e apreciaria o trocadilho pueril com seu 1,98 m de altura. Mas a enormidade que evocamos todos é a de sua presença, capaz de mudar coberturas jornalísticas e também outros jornalistas.
Sua grandeza estava, de fato, no caráter generoso com colegas, diligente com as fontes (muitas das quais virariam amigos, a despeito de serem fustigadas em seus textos) e voraz com a reportagem.
Ter entre seus muitos prêmios um Maria Moors Cabot, um dos mais prestigiosos do nosso meio, atribuído pela Universidade Columbia (EUA), era para ele motivo de orgulho, nunca de vaidade, jamais uma citação para aumentar a cotação de suas opiniões —as quais colocava sempre no mesmo patamar daquelas de seu interlocutor.
Ao contrário de colegas cuja arrogância engorda com os aplausos recebidos, Clóvis nunca se impressionou com a reverência alheia. Era solícito e interessado por todos, dos repórteres iniciantes, a quem dedicava elogios, aos diretores de Redação, aos quais nunca se furtou de contestar.
Era, também, atento aos leitores, tratando-os com um respeito que raramente resiste às caixas de comentários da internet. Essa dedicação era mútua: no perfil do leitor da Folha, aferido em 2018 pelo Datafolha, Clóvis estava, em meio à longa lista disponível, no punhado de colunistas citados como motivação principal para assinar o jornal.
Não somos poucos os que fomos auxiliados, incentivados e aconselhados por ele. Em sua generosidade imensa, gostava de nomear “sucessores”, chefes preferidos, repórteres com futuros brilhantes.
Mesmo quando o pessimismo o abatia, porque um bom repórter não se blinda de crises, Clóvis não deixava a vontade de fazer jornalismo arrefecer, nem a dele nem a nossa. Ele brincava, com algum sarcasmo, maquinava, insistia. E como era persistente! Escreveu até seu último dia.
Os jornalistas que tivemos a sorte de passar pelo caderno Mundo da Folha, seu espaço de preferência na última década, sabíamos que podíamos contar com suas análises lúcidas e suas reportagens abrangentes a qualquer hora do dia, a qualquer dia do ano. Invariavelmente, os textos chegariam claros e contundentes, muitas vezes minutos após o ocorrido, a ligar todos os pontos que elucidavam o assunto.
Compartilhava memórias, fontes, sugestões, histórias, dicas, indicações e ensinamentos com abnegação.
Àqueles a quem coube a tarefa impossível de substituí-lo em coberturas internacionais, quando a idade já cerceava seus voos mais ousados, dedicava sempre elogios e incentivos, como se alguém fosse dar conta do que ele fazia.
(Em 2017, lamentou-se que, pela primeira vez em 25 anos, não passaria o aniversário, o 25 de janeiro, cobrindo o Fórum Econômico de Davos, pois um problema nas costas o impedia de caminhar na neve dos Alpes. Antes de eu embarcar, me convidou para um almoço no qual me explicou pacientemente a rotina. Quando voltei, exaurida, me recebeu com um orgulho que só posso chamar de paternal.)
Muitas vezes ele acreditava mais em nossa capacidade do que nós mesmos, nossos chefes ou nossos leitores. Citava colegas em suas colunas sempre com adjetivos reverentes. E não só colegas. A lanchonete pé-sujo que por décadas resistiu ao lado da Redação ostentava, em um quadro no caixa, a coluna em que ele citara o estabelecimento.
Comprava brigas, sim, mas jamais rancores. Tinha uma habilidade de persuasão e um carisma que mesmo no dissenso prevaleciam.
Não há nem haverá outro ou outra como o Clóvis entre nós. A profissão que em agosto passado perdeu uma bússola, Otavio Frias Filho, menos de dez meses depois perde um dínamo.
Mas o Clóvis era tanto, era tão imenso, que deixa um pouco dele em cada um que o conheceu. Em seu sotaque paulistano típico, seu humor galhofeiro e suas observações argutas ecoarão para sempre nos ouvidos dos que cruzamos com ele.
E, oxalá, também em nossas palavras, reportagens e edições.
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