Celso Athayde lan�a partido e aposta no mercado para promover negros
Ricardo Borges - 20.set.2017/Folhapress | ||
(articleGraphicCaption).Celso Athayde, um dos fundadores do partido Frente Favela Brasil |
No dia 30 de agosto, um grupo de militantes e artistas ligados a causas da popula��o negra protocolou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de registro para a forma��o de um partido pol�tico intitulado Frente Favela Brasil. Os postulantes ter�o que aguardar o TSE analisar a documenta��o e, se tudo estiver certo, precisar�o coletar assinaturas de mais de 180 mil eleitores sem v�nculo com outras siglas.
"Conseguir as assinaturas vai ser muito f�cil", diz o empres�rio e ativista social Celso Athayde, 54, idealizador do novo partido. N�o � bravata. H� 20 anos, ele fundou com um grupo de amigos, entre eles o rapper MV Bill, a Cufa (Centra �nica das Favelas), uma organiza��o que hoje est� presente em 412 cidades brasileiras e arregimenta um ex�rcito de colaboradores diretos estimado em 1,5 milh�o de pessoas.
Ao contr�rio do que se poderia supor, a Cufa n�o � uma entidade sem fins lucrativos –e apesar de eventuais parcerias com prefeituras e governos, � sobretudo no mercado que busca sua for�a e sua autonomia.
"A Cufa nunca foi sem fins lucrativos, e eu nunca tive vergonha de dizer isso. O problema do lucro n�o � ele existir, � o que voc� faz com ele. Se voc� tem lucro e aplica na especula��o imobili�ria, � uma coisa. Mas se voc� usa para viabilizar mais a��es sociais, qual o problema?", questiona Athayde. Al�m de ver nas rela��es com o Estado o risco do "cabresto" e da barganha por voto, ele critica algumas premissas de pol�ticas p�blicas, que podem ser bem-intencionadas, mas erram o alvo.
"O Estado te diz o seguinte: eu vou financiar o filme do fulano de tal e como contrapartida social vou fazer uma exibi��o de gra�a para a favela. S� que a favela n�o quer ver aquele filme do fulano de tal, ela quer fazer filme tamb�m. A contrapartida social n�o � voc� dar dinheiro para algu�m me mostrar o filme dele; � eu poder fazer o meu filme ou ter dinheiro para ver o filme que eu quiser."
Athayde, ali�s, fez seu filme. Produziu "Falc�o – Meninos do Tr�fico" (2006) e escreveu livros, como "Cabe�a de Porco"(2005), com MV Bill e Luiz Eduardo Soares.
Al�m da Cufa, uma rede descentralizada que obteve apoio de empresas e entidades como Fedex, Unesco, Funda��o Ford e Protec&Gamble para realizar suas a��es, Athayde criou recentemente a Favela Holding, o bra�o propriamente empresarial de seu projeto. "Fiz ao contr�rio", ele brinca. "Criei primeiro a funda��o e depois o banco".
A Favela Holding re�ne 21 empresas em atividades voltadas para o mercado das favelas. V�o desde ag�ncias de viagens a produtos financeiros, passando por um instituto de pesquisa (o Data Favela) e pela distribui��o de produtos variados, como alimentos, pilhas, sabonetes, l�minas de barbear etc.
A Cufa Card, por exemplo, � uma empresa de neg�cios financeiros que tem como carro-chefe um cart�o pr�-pago. Outra empresa, a Comunidade Door, explora cartazes comunit�rios em favelas de todo o pa�s. As ag�ncias de viagens j� s�o 178 e atuam em diversos Estados. Vendem passagens a�reas em condi��es especiais para o p�blico de baixa renda.
O primeiro grande projeto da Favela Holding foi a Favela Distribui��es, que come�ou com a multinacional Protect & Gamble e hoje distribui e vende produtos de outras empresas, como a Natura e a Tim. Nessa �rea, Athayde criou um programa chamado Recome�o, que contrata ex-presidi�rios. "Temos o melhor �ndice de entrega do mercado", orgulha-se.
Alvo de cr�ticas de setores de esquerda e de grupos ligados ao movimento negro, Athayde n�o se abala.
Ele nasceu na favela do Cabral, em Nil�polis, na Baixada Fluminense; os pais eram alco�latras e viviam brigando; passou parte da inf�ncia embaixo de um viaduto no sub�rbio de Madureira, no Rio, onde esmolava e praticava pequenos furtos; depois viveu num abrigo p�blico, de onde foi para a favela do Sapo, em Senador Camar�; participou de torneios clandestinos de luta patrocinados pelo traficante Rog�rio Lengruber, o Bagulh�o, fundador do Comando Vermelho; vendeu produtos piratas como camel�; organizou bailes em Madureira; e tornou-se empres�rio de artistas de rap, como MV Bill e os Racionais MCs.
"As pessoas de onde eu venho n�o leram os livros vermelhos, elas n�o t�m orienta��o nem para esquerda, nem para direita, e podem at� sofrer de alguma maneira as consequ�ncias da falta de vis�o que elas t�m. Mas o mundo real dessas pessoas � como � que elas compram uma dentadura, como conseguem pagar as contas do m�s e o aluguel. Isso � o cotidiano delas. Poderia ser diferente? Sim, mas esse � um outro momento que a gente tem que alcan�ar. Ent�o vamos criar igualdade de oportunidade, porque as coisas n�o s�o iguais. Tem uma parte da sociedade que est� sendo formada para ser soldado e uma outra parte sendo formada para ser general", diz.
Quando ligou-se ao mundo do hip-hop, Athayde conviveu com setores mais radicalizados do movimento negro. "Eles tinham esse discurso contra o sistema. Preto que tirava o p� da lama era preto que virou branco, era xingado como se estivesse traindo", lembra.
"Eu ficava sempre perguntando qual � o mal em voc� trabalhar muito e ter sorte ou compet�ncia para poder ter uma vida melhor. O favelado � um empreendedor por excel�ncia. Desde o momento em que ele est� numa feira, carregando o carrinho de uma madame ou a bolsa dos outros", diz.
A cria��o do partido Frente Favela Brasil � um passo ambicioso, que d� um bra�o pol�tico ao projeto da Cufa e da Holding.
"At� aqui os negros e a favela ou fazem parte do puxadinho de algum partido ou est�o do lado de fora do jogo, vendendo cachorro-quente; n�s queremos participar do jogo", anuncia.
Athayde, contudo, diz que n�o vai fazer parte do partido e n�o ser� candidato. Mas tem certeza de que o alcance que suas iniciativas j� atingiram vai favorecer a Frente Favela Brasil na hora de falar para os moradores de favelas e a popula��o negra.
"Mas n�o ser� um partido para criar cis�o racial ou lutar contra brancos. Todo mundo pode participar.
J� tem at� japon�s no partido", ressalva.
Athayde pretende que a nova sigla entre em cena com vida pr�pria nas elei��es de 2020. "Ainda temos muito para discutir. Mas o plano que estou propondo para o ano que vem � apresentar candidatos ao Legislativo em todos os Estados por outros partidos. A ideia � criar uma bancada da favela ou de negros. E depois juntamos todo mundo no partido em 2020."
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