AN�LISE
Em meio a esc�ndalos pol�ticos, n�o sobra espa�o para debater o pa�s
Os colunistas da Folha Andr� Singer, professor da USP e ex-porta-voz da Presid�ncia da Rep�blica no governo Lula, e Mario Sergio Conti, jornalista, foram convidados para debater com o tamb�m colunista Reinaldo Azevedo no Encontro Folha de Jornalismo. Eles declinaram. O professor da USP Vladimir Safatle, colunista da Folha, disse que n�o poderia participar porque estava viajando.
N�o � f�cil debater com Reinaldo Azevedo, ponta de lan�a da nova direita brasileira. Ele � agressivo em seus coment�rios e n�o deixa o interlocutor falar. Em certas ocasi�es, reservou palavras pouco amistosas para Singer ("desonestidade intelectual") e Safatle ("intelectual que defende o aborto e chama feto de parasita").
Qualquer colunista que aceitasse ser o contraponto esquerdista do exuberante Azevedo sabia que teria uma tarefa ingl�ria.
Al�m disso, hoje em dia, quem se considera de esquerda j� sai de casa na defensiva e passa o dia inteiro se explicando. Ainda que n�o seja petista.
O ex-militante trotskista e ex-colunista da Folha Ricardo Melo, diretor da EBC (Empresa Brasil de Comunica��o), resolveu encarar o desafio –relevando o fato de ter sido chamado de "gafanhoto [disc�pulo] do Paulo Henrique Amorim" e "ignorante" no blog de Reinaldo Azevedo na revista "Veja".
Os tempos e os embates ideol�gicos mudaram.
Em 1968, o escritor americano de esquerda Gore Vidal (1925-2012) duelou com seu n�mesis ideol�gico William F. Buckley Jr (1925-2008), �cone do conservadorismo norte-americano, em uma s�rie de debates antol�gicos durante as prim�rias dos EUA.
"Deixei o corpo ensanguentado de William F. Buckley Jr jazendo no meio do sal�o da conven��o em Chicago", diz Vidal, em cena do document�rio "Best of Enemies" (2015), j� dispon�vel na Netflix brasileira.
No Brasil de 2016, a discuss�o entre Melo, Azevedo e o moderado Josias de Souza, blogueiro do UOL e ex-colunista da Folha, n�o teve sangue nem xingamentos. Mas tampouco teve profundidade.
ESPELHO
Na mesa "Sai, Dilma/Fica, Dilma - O Que Eu Acho do Jornalismo de Opini�o", o que mais se ouviu no audit�rio do MIS foram considera��es sobre os in�meros esc�ndalos de corrup��o atualmente investigados no pa�s e o vi�s da imprensa.
Enquanto Buckley e Vidal discutiam as premissas do Estado de bem-estar social, direitos civis, concentra��o de renda e a necessidade de os Estados Unidos sa�rem da guerra do Vietn�, em meio a �cidas ofensas pessoais, no Brasil que encolhe 4% ao ano os t�picos eram a antena que a Oi instalou no "s�tio frequentado por Lula em Atibaia" e a Brasif pagando sal�rio para Mirian Dutra, ex-amante de Fernando Henrique Cardoso.
O problema n�o est� nos debatedores que participaram. A conversa foi um espelho fiel da realidade.
A quantidade de esc�ndalos da atualidade � t�o avassaladora que n�o sobra tempo para discutir o pa�s.
Os tr�s jornalistas concordaram que a fun��o �ltima da imprensa � questionar o governo.
Mas, para Azevedo, "existe um alinhamento da imprensa mais � esquerda", e a m�dia "� mais generosa, mais tolerante com o PT". J� para Melo, a imprensa pode ser acusada de tudo, "menos de ser de esquerda".
Mais uma vez, h� um espelho da realidade: a Folha, por exemplo, � tachada de petista pelos leitores tucanos, e de integrante do PIG (Partido da Imprensa Golpista) pelos petistas. Ou seja, ao menos desagrada democraticamente.
Para Josias de Souza, essa n�o � a quest�o. "N�s queremos uma imprensa que seja veraz, n�o de esquerda ou de direita, queremos saber o que � fato e o que n�o �", afirmou.
No final, o mediador Bernardo Mello Franco, colunista da Folha, conseguiu levar de volta a discuss�o para o tema principal da mesa: haver� ou n�o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Josias e Azevedo afirmaram que o impeachment se esvaziou do ponto de vista pol�tico, mas que h�, sim, ind�cios fortes de crime de responsabilidade.
"Todo mundo sabia que a pol�tica brasileira estava apodrecida, n�s chegamos a um est�gio em que a podrid�o apareceu, e � preciso que isso tenha uma consequ�ncia", disse Josias. "Mas � preciso ver se o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] ter� coragem c�vica."
O TSE tem o poder de cassar o mandato de Dilma e do vice-presidente, Michel Temer, caso se comprove que o dinheiro da corrup��o da Petrobras financiou a campanha da elei��o de 2014.
Azevedo diz n�o ver "Dilma encerrando o mandato, considerando o que vem pela frente e considerando o desempenho dela". "Acho que talvez a solu��o venha via Tribunal Superior Eleitoral."
J� Melo acha que falta um "batom na cueca" e apoio pol�tico, e que, portanto, n�o haver� impedimento da presidente Dilma.
Mas vieram da boca do diretor da EBC, a empresa estatal de comunica��o, as seguintes palavras: "Vai ser um governo enfraquecido at� o final. N�o haver� impeachment, mas o governo seguir� aos trancos e barrancos."
Em vez de dois ant�podas altivos em suas opini�es, remetendo novamente a Vidal e Buckley, acabamos com a esquerda em melanc�lica apatia e a direita em triunfante modo "eu te disse".
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