AN�LISE
Imprensa independente funciona como contrapeso ao poder do Estado
O jornalismo precisa ser de oposi��o? "Precisar" talvez seja um verbo muito forte. N�o h� nada na teoria do jornalismo que obrigue a imprensa a ser contra os governantes de turno.
Mas, quando consideramos toda a ecologia do sistema, � quase inevit�vel que surjam chispas, quando n�o animosidade aberta, entre �rg�os de comunica��o empenhados em levar informa��o relevante ao p�blico e representantes dos tr�s Poderes, em especial do Executivo.
Bons exemplos dessa irresist�vel tend�ncia � diverg�ncia apareceram no segundo debate do Encontro Folha de Jornalismo, que foi realizado na manh� do dia 18.
Com media��o do colunista e membro do Conselho Editorial da Folha Cl�vis Rossi, a mesa foi aberta pelo venezuelano Eugenio Mart�nez, especializado na cobertura eleitoral do pa�s. Em seguida falaram o argentino Hugo Alconada Mon, do jornal "La Naci�n", que investiga casos de corrup��o, e o brasileiro L�cio Fl�vio Pinto, criador do "Jornal Pessoal", que desde 1987 cobre a regi�o amaz�nica a partir de Bel�m (PA).
Os tr�s fizeram relatos bastante v�vidos das dificuldades que enfrentaram por n�o se alinhar aos interesses dos poderosos. Houve at� situa��es de agress�es f�sicas e amea�as de morte.
� verdade que o fato de lidarmos aqui com governos messi�nicos, no caso da Venezuela bolivariana e da Argentina sob os Kirchner, e com uma regi�o onde impera a lei do Velho Oeste, como � a Amaz�nia, torna os conflitos potencialmente mais sangrentos, mas � importante notar que a rela��o de desconfian�a entre imprensa e autoridades ocorre mesmo nas democracias maduras.
A situa��o de Julian Assange, do WikiLeaks, asilado na embaixada do Equador no Reino Unido, porque teme ser extraditado para a Su�cia e da� para os Estados Unidos, � uma prova disso.
PERSPECTIVA
O problema de base � simples: o jornalismo tem interesse em revelar coisas que dirigentes querem esconder. Mesmo nos casos em que a oposi��o n�o � t�o dram�tica, surgem diferen�as de perspectiva.
Uma imprensa que discuta ideias em algum momento questionar� os pressupostos te�ricos com os quais o governo opera numa determinada �rea. E as pessoas em geral n�o gostam de ser questionadas.
Vale observar aqui que o fen�meno n�o � exclusivo da esfera oficial, mas diz respeito � natureza humana.
Ele se repete em todas as �reas do jornalismo. O rep�rter esportivo que n�o se limite a enaltecer o time, na vit�ria e na derrota, poder� ser malvisto nos vesti�rios do clube. O colunista social que revele algum segredinho de celebridade entrar� em sua lista de desafetos. A diferen�a � que, enquanto alguns dos segredos de celebridades devem mesmo permanecer secretos, contam-se nos dedos as situa��es em que o Estado pode legitimamente esconder algo dos cidad�os.
DEBATE
A luz do sol � o melhor desinfetante, na express�o celebrizada pelo juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis. Isso vale n�o apenas para revelar casos de corrup��o e outros crimes que autoridades possam ter cometido mas tamb�m para qualificar o debate p�blico de ideias, que podem e devem ser questionadas por todos os �ngulos poss�veis.
Como o caminho mais f�cil � o de aliar-se aos poderosos, a imprensa independente adquire papel especial ao possibilitar que as ideias que fazem as vezes de contrapeso circulem mesmo sem dispor do impulso proporcionado pelo fato de estarem ao lado de consensos moment�neos e da m�quina p�blica.
N�o � um acaso que os primeiros te�ricos da democracia, notadamente os "founding fathers" dos EUA, tenham dado tanto destaque � liberdade de imprensa.
Thomas Jefferson chegou a escrever: "Se me fosse dado decidir se devemos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, n�o hesitaria um momento em preferir a �ltima". A frase incorre num tremendo exagero, mas que d� bem a medida da import�ncia que esses primeiros pensadores da democracia americana atribu�am a um sistema de freios e contrapesos ("checks and balances") ao poder do Estado.
ERROS
Vale refor�ar que essas considera��es n�o implicam que a imprensa precise necessariamente ser de oposi��o. Jornais chapa-branca ou apenas pouco cr�ticos s�o perfeitamente leg�timos. Eles apenas acrescentam institucionalmente pouco. Raramente ajudam a identificar falcatruas e n�o enriquecem o debate p�blico.
Essas observa��es n�o implicam que a m�dia seja boa ou n�o cometa injusti�as. Ao contr�rio, ela erra muito e pode destruir injustamente a vida de uma pessoa.
Mas, como � humanamente imposs�vel produzir um jornalismo � prova de erros, � melhor que o vi�s seja o de errar contra o governo. Em primeiro lugar, porque ele mais do que ningu�m tem as condi��es de defender-se.
Em segundo, porque o risco de a sociedade ser prejudicada por tramoias ou pol�ticas equivocadas de dirigentes supera o das eventuais injusti�as que a imprensa possa cometer.
Reescrevendo a frase de Jefferson, poder�amos dizer: "Se me fosse dado decidir se devemos ter um jornalismo apenas favor�vel ou apenas contr�rio ao governo, n�o hesitaria um momento em preferir a �ltima —mesmo que eu fosse um simpatizante desse governo".
Veja os bastidores do Encontro Folha de Jornalismo:
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