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Cr�nica ainda atrai leitores, apesar de pol�tica dominar notici�rio
Afinal, o que define a cr�nica como g�nero? Um h�brido de literatura e jornalismo, ela � certamente uma narrativa mais leve e autoral, que parece ter como fun��o poupar ou recompensar o leitor da aridez do notici�rio e das an�lises especializadas.
Em palavras mais felizes, o cr�tico Afr�nio Coutinho (1911-2000) disse que a cr�nica, como mat�ria cotidiana nos ve�culos, representa um "recreio do esp�rito" –nos oferecendo, quando bem-sucedida, uma "am�vel e brilhante cintila��o da intelig�ncia".
Na conversa de Fernanda Torres, Luis Fernando Verissimo e Ruy Castro sobre o tema, com media��o do jornalista e editor Alcino Leite Neto, essas caracter�sticas –ao lado de outras– foram citadas. Para Fernanda, a cr�nica � "o para�so do sujeito"; para Ruy, ela difere da coluna de opini�o e pressup�e uma veleidade liter�ria do autor; j� na avalia��o de Verissimo, a relativa indefini��o do g�nero � um convite � liberdade. "A melhor defini��o de cr�nica que conhe�o", diz ele, � "tudo aquilo que eu disser que � cr�nica".
Na opini�o do cronista de "O Globo" e "O Estado de S. Paulo", foi Antonio Maria (1921-1964) quem melhor aproveitou a liberdade do g�nero no jornalismo brasileiro. Homem de r�dio, TV, m�sica e esporte, durante anos escreveu diariamente para jornais do Rio, aventurando-se pela fic��o, pela mem�ria nost�lgica, pelo humor e mesmo pelo "texto s�rio".
Antonio Maria � menos uma raridade do que um exemplo, entre muitos, do �xito da cr�nica entre n�s. A imprensa brasileira tem longa e boa tradi��o nesse ramo, notadamente depois do s�culo 19, quando a cr�nica come�a a ganhar suas fei��es modernas a partir de um processo de muta��o do folhetim e dos textos voltados para as "variedades".
Grandes nomes da literatura brasileira se dedicaram ao g�nero, alimentando e aperfei�oando suas caracter�sticas -de Machado de Assis, Jos� de Alencar ou Jo�o do Rio ao mestre Rubem Braga, passando, entre outros, por Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Otto Lara Resende.
HERAN�A DE OTTO
Ruy Castro, que hoje ocupa a mesma coluna Rio outrora a cargo de Otto, � p�g. 2 da Folha, lembra o papel de seu antecessor na transforma��o da ideia original daquele espa�o, concebido para abrigar coment�rios sobre a realidade pol�tica carioca.
Foi nos dois anos que colaborou como colunista, 1991 e 1992, que Otto se consagrou como cronista —cuja qualidade pode ser confirmada em "Bom Dia para Nascer" (Companhia das Letras), que re�ne 266 textos do autor.
Ruy tamb�m declara-se f� de seu colega de coluna Carlos Heitor Cony -de quem guarda uma cole��o de recortes de textos do in�cio da d�cada de 1960. Com Otto, Cony e Ruy, a coluna Rio ganhou fei��es diferentes das de S�o Paulo e Bras�lia, de certa forma mais politizadas.
"Estamos nos tornando monotem�ticos", lamenta Verissimo, referindo-se � atual onda pol�tica que domina o notici�rio, com seus esc�ndalos de corrup��o e debates acirrados entre advers�rios ideol�gicos.
"A pol�tica hoje est� em tudo", concorda Fernanda, que se sente pressionada, como outros colunistas, a entrar no assunto. Ser� que n�o seria mais adequado falar diretamente de pol�tica do que tentar explorar temas mais subjetivos com inclina��o liter�ria? � uma d�vida que parece incomodar os cronistas.
Ruy lembra, em defesa da cr�nica, que o que lhe confere perman�ncia � precisamente esse seu alheamento da urg�ncia pol�tica. Ao folhearmos jornais antigos -argumenta ele- j� n�o nos interessamos pelas not�cias, pois s�o velhas e datadas.
J� as cr�nicas da �poca, sem a contamina��o do factual, acabam por se mostrar mais duradouras, e podem ser lidas, com interesse, d�cadas depois.
"� curioso que sendo 'soft news' ou 'no news', a cr�nica tenha mais sobreviv�ncia que o 'hard news'", diz.
CONCESS�O AOS FATOS
Na pr�tica, por�m, de uma maneira ou de outra, nossos cronistas n�o conseguem resistir e acabam cedendo ao alarido dos temas hegem�nicos. Fernanda, que se considera mais cronista na "Veja Rio" do que em suas colunas na "Ilustrada", diz acreditar que a realidade pol�tica est� "mais impressionante" do que tudo e acaba se impondo ao colunista.
Verissimo, um escritor com conhecidas tend�ncias de esquerda, tamb�m deixa-se muitas vezes levar pelo calor das manchetes —embora goste da "bobagem" que seduz e agrada o leitor.
Ruy Castro diz que se obriga, duas vezes por semana, a deixar de lado "a conversa fiada com o leitor" para tentar fazer uma ponte com o notici�rio. Ele diz que se sente "constrangido de passar a semana inteira falando s� de abobrinha".
Fernanda lembra-se de um texto de Mill�r Fernandes para demonstrar que o bom cronista consegue falar de quest�es consideradas s�rias por caminhos diferentes. Numa c�lebre cr�nica, ele relata que via sempre Rubem Braga pela janela de seu apartamento at� que um dia um pr�dio novo, entre tantos que se erguiam, tapou-lhe a vis�o.
A partir de um ponto de vista po�tico e pessoal –diz Fernanda– Mill�r conseguia, no final das contas, tratar de um assunto do mundo pol�tico e econ�mico —"a especula��o imobili�ria no Rio".
Fernanda faz quest�o de citar Antonio Prata, colunista da Folha, entre seus cronistas prediletos —ele que talvez seja o principal nome do g�nero na nova gera��o. Sinal de que a cr�nica se renova e volta � moda entre escritores emergentes. Imprensa e leitores parecem gostar do fen�meno —ainda que alguns cr�ticos possam levantar obje��es sobre sua for�a liter�ria.
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