O milésimo dia da Guerra da Ucrânia, contabilizado nesta terça-feira (19), trouxe consigo a volta da ameaça nuclear. Enquanto retórica, ela esteve viva nas falas de Vladimir Putin desde que o presidente russo decidiu invadir o país vizinho, em 24 de fevereiro de 2022.
Do discurso do dia do ataque a inúmeras citações desde então, permeadas por atos mais concretos como exercícios militares, o abandono do último tratado de desarmamento vigente e o posicionamento de ogivas táticas na aliada Belarus, a sombra do átomo sempre esteve lá.
O blefe funcionou para retardar o incremento do grande apoio que permite a resistência de Kiev, mas sempre foi denunciado como tal por Volodimir Zelenski e aliados mais belicistas.
O que parecia bravata foi entronizado em um decreto estabelecendo a nova doutrina de emprego de armas nucleares pelo país que mais as possui —Rússia e EUA somam 90% do total.
Putin ampliou o leque de situações em que pode apertar o botão atômico. Além disso, deixou claro que um ataque convencional à Rússia por país apoiado por potência nuclear ensejará a possibilidade de uma guerra atômica contra ambos.
Ressaltou ainda que, se o inimigo for de uma aliança como a Otan, o conflito poderá ser generalizado. Em resumo, desenhou o cenário atual na Ucrânia.
Se a regra anterior, de 2020, respondia a um Donald Trump que havia também facilitado o emprego das armas americanas, agora Putin se viu motivado por um Joe Biden à beira de devolver a cadeira para o antecessor republicano.
O americano autorizou a Ucrânia a utilizar os mísseis de longo alcance dos EUA, com os quais foi equipada, para atingir alvos distantes da fronteira. Kiev não perdeu tempo e atacou um arsenal russo a cerca de 150 km de seu território. Foi um teste.
Ato contínuo, Putin divulgou o texto do decreto nuclear que, de resto, ele havia prometido meses atrás como resposta ao que chama de escalada do envolvimento ocidental no conflito.
Após meses de pressão de Kiev, Biden resolveu pagar para ver as cartas de Putin de forma tardia, na visão de quem só aponta bazófia do russo. Afinal de contas, é improvável que qualquer coisa mude no rumo da guerra, ora sendo vencida pelo Kremlin.
Se é certo que não interessa a Moscou vaporizar Kiev ou Varsóvia, sob pena de desaparecer também, a materialidade dada às ameaças por Putin em resposta a Biden insere um novo e perigoso componente na já volátil conjuntura de segurança europeia.
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