O impacto das plataformas digitais e seus modelos de negócio na sociedade tem sido motivo de debate público desde quando elas surgiram, há cerca de dez anos, com novas possibilidades para transporte de passageiros e entrega de mercadorias. Infelizmente, de forma frequente, críticas a essa nova economia, que está transformando o país, são lançadas sem respaldo de dados ou pesquisas.
É o que se observa em relação a análises superficiais feitas na tentativa de imputar aos aplicativos a responsabilidade pelo aumento de acidentes de motociclistas em São Paulo, a partir da divulgação recente das estatísticas do sistema Infosiga, do Detran-SP.
Os dados do Infosiga são de extrema relevância para o debate atual, mas é preciso avançar no detalhamento dos sinistros para identificar os reais problemas. Em relação ao perfil das vítimas, por exemplo, não é possível saber se os motociclistas estavam usando o veículo para trabalho ou para deslocamento pessoal, o que impede correlacionar o aumento de acidentes com o crescimento das plataformas. Nacionalmente, o problema é ainda maior: não existe sequer uma fonte de dados unificada e comparável sobre o tema.
Estão cadastrados nos principais aplicativos no Brasil cerca de 800 mil motociclistas, considerando o transporte individual privado de passageiros e serviços de entregas. Isso representa apenas 2,3% da frota de 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) de 2024.
Diante do fato de que somente 2,3% das motocicletas em circulação no país estão vinculadas ao trabalho por meio de plataformas, é incoerente atribuir a essa atividade a razão exclusiva do aumento de acidentes de trânsito. Vale lembrar que dados da CET de 2013, antes do advento das plataformas digitais, já indicavam que 47,7% das mais de 31 mil vítimas eram motociclistas. Que fique claro: essas ocorrências, muitas delas fatais, são um problema social e econômico grave e complexo, que merece atenção e atuação do Poder Público e de outros atores, incluindo as plataformas.
Para entender a complexidade da questão, é importante se aprofundar na realidade brasileira. A partir de dados da própria Senatran, 53,8% dos motociclistas no Brasil não possuem habilitação. Ou seja: mais da metade não passou pelas etapas necessárias para emissão de CNH e não tem autorização para dirigir uma moto.
No caso das principais plataformas digitais, o condutor precisa obrigatoriamente apresentar sua CNH e documentação regular de seu veículo para se cadastrar. Além disso, as empresas adotam camadas de segurança adicionais às previstas em lei com o objetivo de evitar ocorrências e preservar a integridade física de condutores e usuários. São disponibilizados conteúdos sobre direção segura no próprio aplicativo para os motociclistas, além da realização de treinamentos presencias em parceria com órgãos de trânsito. As empresas também têm avançado no uso de recursos de telemetria, monitoramento em tempo real e conscientização.
É incorreto afirmar que as plataformas estimulam a velocidade dos entregadores. Todos as rotas e tempos são calculados com tecnologia, utilizando-se como parâmetro as velocidades permitidas em cada via percorrida e sem qualquer tipo de premiação ou incentivo para a adoção de patamares fora do padrão.
As empresas defendem políticas públicas que tragam mais segurança ao trânsito. Um bom exemplo é o caso de Fortaleza (CE), onde houve a expansão da frota de motos em 46% entre 2014 e 2023, enquanto o número de acidentes caiu 42% no período. Resultado principalmente de ações de fiscalização e redução de limites de velocidade adotadas pelas autoridades.
O debate sobre segurança no trânsito é importante e deve suscitar políticas efetivas que melhorem as condições de trabalho de milhares de motoristas que encontram nas ruas sua fonte de renda. Está na hora de qualificar a discussão e acabar com achismos e ilações. Política pública se constrói com base em dados.
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