Protagonizando uma cena insólita, Vladimir Putin tomou o volante da limusine Aurus Senat em que embarcaria com Kim Jong-un e levou o ditador norte-coreano para um passeio pelas ruas de Pyongyang.
O carro de fabricação russa foi dado a Kim, mas a real troca entre os líderes era outra, com profundas consequências geopolíticas.
Putin foi à cidade pela primeira vez em 24 anos para reverter um caminho trilhado após o fim da União Soviética, que bancava a bizarra mistura de dinastia familiar e regime stalinista vigente na porção norte da península coreana.
De lá para cá, o apoio de Moscou escasseou. Entre 2006 e 2017, os russos votaram nove vezes a favor de sanções contra os norte-coreanos na ONU, incluindo o acesso a bens de luxo como a limusine.
Mas o mundo mudou. Com a implosão das negociações nucleares entre Kim e os EUA, em 2019, e a invasão russa da Ucrânia em 2022, os antigos aliados se reaproximaram.
Na visita, Putin anunciou um pacto militar que revive os termos do principal acordo entre os norte-coreanos e os soviéticos, de 1961, segundo os quais os países se comprometem a defender-se mutuamente em caso de agressão.
Até aqui, a Coreia do Norte não tinha um seguro externo de tal magnitude. Já os sul-coreanos têm 25 mil soldados americanos e o guarda-chuva nuclear de Washington à sua disposição contra as talvez 50 ogivas atômicas de Kim.
Putin ainda anunciou que poderá enviar mísseis de precisão ao aliado para empatar o jogo com os EUA, que autorizaram a Ucrânia a empregar tais armamentos contra solo russo. Em troca, deverá receber munição para sua artilharia contra o vizinho e ganha um novo instrumento de pressão política na Ásia.
Incógnito é o papel da China, maior aliada da Rússia e maior apoiador de Pyongyang no pós-Guerra Fria. Parece improvável que o pacto tenha sido firmado sem conhecimento de Pequim. Como ainda tem poderosos laços econômicos com o Ocidente, é possível que Xi Jinping tenha deixado a instrumentalização de Kim para Putin.
A história é pródiga em exemplos de como tais arranjos podem levar a crises graves, como a sucessão que gerou a Primeira Guerra Mundial. Não se espera tanto agora, mas adiciona-se tensão à já conturbada relação entre as Coreias.
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