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Marcelo Miterhof

Privatizar Sabesp pode atrapalhar universalização dos serviços

Escasso, capital privado precisa ser atraído para onde há subinvestimento e prestadores ruins

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Marcelo Miterhof

Economista do BNDES

O saneamento básico (fornecimento de água e coleta e tratamento de esgoto) ainda tem um déficit expressivo no Brasil, principalmente nos serviços de esgoto, no Norte e no Nordeste, nos municípios menos populosos e entre a população mais pobre. Isso ocorre mesmo após diversos avanços no campo institucional —como a edição da Lei do Saneamento, em 2007, e sua reforma, em 2020— e nos investimentos —primeiro com o PAC e, mais recentemente, com as estruturações de concessões e PPPs pelo BNDES.

O PAC fez os investimentos dobrarem no país, mas mostrou que só a disponibilização de crédito e de recursos orçamentários não basta para superar os déficits e sua distribuição desigual. A heterogeneidade das capacidades financeira e operacional das Cesb (companhias estaduais de saneamento básico), principal tipo de prestador de serviços de água e esgoto no país, é uma barreira para alcançar a universalização nacionalmente.

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Estação de tratamento de água da Sabesp em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo - Gabriel Cabral-26.jul.2019/Folhapress - Gabriel Cabral/Folhapress

Assim, as concessões que o BNDES começou a estruturar a partir de 2017 trouxeram uma novidade para o saneamento: a possibilidade de ter um projeto que atraísse novos prestadores capacitados para realizar investimentos necessários à universalização dos serviços em grandes áreas até 2033, como prevê a legislação.

A carteira de projetos já licitados e em estruturação se concentra em grandes regiões de estados com elevados déficits de atendimento e com subinvestimento histórico. São os casos do Rio de Janeiro, cujos investimentos em 2022 (dado disponível mais recente) foram multiplicados por sete em relação a 2020, o último ano antes da concessão, de Alagoas (oito vezes mais) e do Amapá (três vezes mais), de acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis).

Os investimentos dos projetos licitados combinados aos das Cesb mais capacitadas fizeram os investimentos nacionais atingirem em 2022 o recorde de R$ 22,4 bilhões (Snis). Contudo, o necessário para universalizar é mais que o dobro disso. Segundo estimativas preliminares da revisão do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico), o país precisa investir R$ 46 bilhões anuais até 2033. Apesar de representar apenas 0,5% do PIB, a execução desse montante enfrenta, além da mobilização dos recursos, o desafio de ter projetos e prestadores qualificados para realizar os investimentos.

Para tanto, o país tem que contar com os prestadores públicos eficientes e capazes de investir em ritmo de universalização e com novos prestadores privados para onde os atuais são ineficientes. Nesse contexto, a privatização da Sabesp pode atrapalhar a universalização dos serviços de água e esgoto em todo país.

Os grupos empresariais que atuam no saneamento brasileiro têm nos próximos anos grandes obrigações de investimento, em razão da rodada recente de concessões. Para tanto, contraíram altos endividamentos. Mesmo com o esforço de trazer novos sócios, os capitais estão escassos —no jargão financeiro, os grupos privados estão alavancados.

A Sabesp é uma das joias da coroa do setor. Ora, será que vale direcionar a capacidade de atração de capitais privados para um lugar em que os serviços de água e esgoto já funcionam tão bem?


O saneamento é uma atribuição constitucional subnacional, o que permite que estados e municípios tomem decisões sem olhar o todo. Mas, pensando no Brasil, os já escassos capitais privados atuais e os novos capitais a serem atraídos para o setor precisariam ir para onde há subinvestimento e prestadores ruins.

Por fim, uma questão de São Paulo. A Sabesp é uma empresa de capital aberto, que conseguiu incorporar as facilidades de gestão do setor privado. E que preserva atributos de uma empresa pública, como a capacidade de acomodar conflitos distributivos para financiar a inclusão dos mais pobres e a de reagir rapidamente a questões políticas prementes, caso dos desastres climáticos. Sua privatização não deve trazer grandes ganhos, e perdem-se os benefícios da gestão pública.

* Este artigo não reflete necessariamente a opinião do BNDES

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