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Antonio Soares

Inclusão da base da pirâmide não termina com a bancarização

Somos referência global em pagamentos, mas será que alcançamos uma real democratização das finanças?

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Antonio Soares

CEO da Dock

A inclusão financeira perpassa vários dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. É citada como meio para metas de redução da pobreza, erradicação da fome, igualdade de gênero, crescimento econômico, inovação, infraestrutura e redução das desigualdades. Uma medida crucial na economia real para promover resiliência econômica e estabilidade social.

No Brasil, temos avançado: de 2022 para 2023, saltamos da 35ª para a 21ª posição no Índice Global de Inclusão Financeira, chegando a 89,8% da população com vínculo bancário. Cinco anos antes, os usuários ativos eram 46,8%.

Muito dessa evolução passa pela inovação tecnológica aliada a um regulador visionário, atuando para quebrar barreiras geográficas, reduzir custos e oferecer soluções convenientes e seguras.

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Ilustração - Catarina Pignato - Catarina Pignato

O Pix também foi crucial, mostrando-se atrativo por diversos fatores —entre eles, resolver um grande gargalo do público de baixa renda: o custo das operações. Hoje, enquanto 15 milhões de estabelecimentos aceitam cartão, 25 milhões aceitam Pix. Até quatro anos atrás, esse segundo grupo —o vendedor de picolé na praia, o artista de rua, a costureira— recebia apenas dinheiro. De 2017 a 2022, a proporção bancarizada na base da pirâmide subiu de 57% para 87%.

Somos referência global em pagamentos, avançamos muito, mas será que alcançamos a amplitude de uma real democratização das finanças?

Bancarização não é inclusão. Um desenvolvimento econômico verdadeiramente inclusivo vai muito além da promoção de serviços bancários digitais e, no Brasil, tropeçamos na concessão de crédito acessível. Somos o sétimo país mais desigual do mundo e os desafios de estimular o crédito pleno e consciente são complexos e requerem uma abordagem que envolva governo, setor privado, terceiro setor e a própria população.

Nosso sistema financeiro é robusto, mas concentrado. Nos Estados Unidos existem 11.600 instituições financeiras. Aqui, são pouco mais de mil, o que torna inviável abranger todos os públicos.

Nesse contexto, uma das minhas apostas é nas finanças embarcadas. Já temos as ferramentas: empresas de infraestrutura financeira têm entregado a oferta para que negócios de todos os setores, que possuem conhecimento profundo sobre seus clientes e entendem o valor da personalização, atendam nichos tradicionalmente excluídos. Com produtos já pensados para as particularidades desse seu consumidor, criam uma nova dinâmica, mais certeira e ágil, com potencial para acelerar a evolução de todo o ecossistema.

E já temos resultados reais: inclusão financeira para consultoras de vendas diretas, caminhoneiros autônomos, pequenos varejistas, moradores de regiões remotas e de favelas brasileiras. Em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, mais de 5.000 contas foram abertas em apenas dois meses deste ano em iniciativa focada em fomentar o poder empreendedor da comunidade. O intuito de ações como essa, além de incluir pessoas no sistema financeiro e dar acesso aos seus recursos, é cada vez mais fomentar um formato de economia circular para manter o dinheiro da favela circulando dentro da favela.

Existe um poder de consumo de R$167 bilhões por ano concentrado entre os 17 milhões de brasileiros que vivem em 13 mil favelas. Seja por necessidade ou não, 41% deles têm um negócio próprio. Somente em Paraisópolis, são 14 mil comércios. A extensão do microempreendedorismo é uma realidade: o número de MEIs saltou de 9,7 milhões, em fevereiro de 2020, para 15,1 milhões em maio de 2023 —um avanço de 55,6%. No entanto, essas empresas enfrentam dificuldades significativas no acesso ao capital: apenas 3 em cada 10 conseguem crédito junto aos agentes financeiros. Empoderá-las é empoderar a nossa economia.

As fintechs têm capacidade de inovar e usar a tecnologia para resolver problemas complexos… Este é um deles! Esbarramos em desconfiança no sistema bancário, baixa alfabetização financeira, risco de endividamento, falta de documentação, informalidade econômica, KYC, baixa conectividade e barreiras tecnológicas. Mas é primordial entender que não é possível generalizar ou encaixar essa grande massa heterogênea em modelos existentes e que o "cara a cara" e a escuta ativa são primordiais.

Desviando o foco do lucro imediato e enxergando que o ganho está no crescimento do poder de consumo dos indivíduos, estou seguro de que mais empresas podem arregaçar as mangas corporativas e abraçar novos nichos, encontrando oportunidades de criar produtos e serviços financeiros para diferentes públicos, fazendo a roda da economia girar.

Não se trata de filantropia. Um mercado em que mais pessoas têm acesso a serviços financeiros é um mercado maior e mais robusto. Ao impactar a base da pirâmide, estaremos sim entregando nossa parcela de contribuição aos desafios globais. Ao mesmo tempo, a inclusão financeira pode ser uma oportunidade de crescimento sustentável para muitos players do mercado brasileiro.

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