Descrição de chapéu
Maria Alice Nunes Costa

Quanto vale a dor da escravidão?

Investir em políticas públicas pode ser mais eficaz em processo de reparação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Maria Alice Nunes Costa

Socióloga e cientista política, é coordenadora do Laboratório de Políticas Públicas, Governação e Desenvolvimento (Lader) da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Como reparar os danos causados por quatro séculos de exploração e opressão, quando cerca de 12,5 milhões de africanos foram sequestrados, transportados à força e vendidos como escravos? A brutalidade do sistema, que desumanizava e explorava milhões de pessoas, deixou marcas profundas na vida dos negros brasileiros. Discriminação estrutural, desigualdade racial, falta de oportunidades e acesso precário a serviços básicos são apenas alguns dos desafios que a população negra enfrenta no Brasil. É difícil, senão impossível, determinar o valor da dor e do sofrimento.

Um tribunal internacional pela reparação da escravidão transatlântica ganha força, transcendendo fronteiras, representando um passo crucial para o reconhecimento da escravidão como crime contra a humanidade e para a reparação dos danos causados.

Um manifestante segura uma placa durante um comício em Kingston, na Jamaica, para exigir que o Reino Unido faça reparações pela escravidão - Gilbert Bellamy - 22.mar.22/Reuters - REUTERS

O caminho para a implementação desse tribunal, no entanto, é árduo e complexo. Diversos desafios precisam ser superados, como a definição dos critérios para a reparação, a identificação dos responsáveis e a viabilidade da execução das medidas de reparação. O tribunal precisaria considerar duas questões cruciais: quanto pagar e qual a melhor forma de gastar o dinheiro?

O recente pedido de desculpas do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, pela escravidão transatlântica e pelo colonialismo no Brasil atrai imediatamente a preferência e compensação monetária individual. No entanto, a maioria da população se identifica como preta ou parda, representando 55,5%.

Juntas, formam a maioria absoluta da população brasileira, evidenciando a importância de ações concretas e políticas públicas universais e estruturantes para essa maioria para combater as desigualdades raciais que persistem em diferentes áreas da vida social, como educação, saúde, trabalho e renda.

Investir em políticas públicas estruturais e universalizantes, como saneamento básico, transporte de qualidade, educação, saúde, água e energia, pode ser mais transformador. É um caminho mais eficaz para construir um futuro mais justo e equitativo para o país. Uma oportunidade para romper com o legado da escravidão e construir uma sociedade mais justa e democrática. Entregar dinheiro individualmente pode também gerar distorções e não atacar as raízes da desigualdade.

Outro ponto em relação a um tribunal internacional é em relação à população indígena. Embora se concentre nos crimes contra os povos africanos e seus descendentes, é crucial reconhecer que os danos da escravidão e da colonização também impactaram profundamente os povos indígenas, vítimas de genocídios, expropriação de terras e exploração brutal. As consequências desses crimes ainda se fazem sentir hoje, com populações indígenas lutando por suas vidas, por seus direitos territoriais, culturais e linguísticos.

O Tribunal da Escravidão Transatlântica, se implementado, deve ter uma visão abrangente que reconheça os crimes contra todos os povos que foram vítimas da escravidão e do colonialismo. Isso inclui os povos indígenas, que sofreram imensamente e ainda lutam pelas consequências desses crimes.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.