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Márcio Holland

Perigo no ar

Ampliar a concentração de mercado no setor aéreo provocará alta nas tarifas

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Márcio Holland

Professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eesp)

Diferentemente do filme do diretor Adam McKay, indicado ao Oscar em 2022, recomendo que você, sim, "olhe para cima", pois em pouco tempo apenas duas empresas aéreas podem dominar centenas de rotas de aviação civil no Brasil. Recomendo o mesmo para o governo federal com o programa Voa Brasil, pois dificilmente se encontrará passagens aéreas por até R$ 200.

O assunto vem ganhando importância com a possibilidade de a Azul comprar a Gol, que passa por recuperação judicial nos Estados Unidos. De acordo com a Anac, a Latam detém 38,4% de market share, a Gol fica com 32,5% e a Azul com 28,6%. Em caso de fusão, a Azul dominaria o mercado com mais de 60% —e, o que é mais grave, controlaria mais de 80% dos voos de diversos aeroportos, além de operar com exclusividade quase cem rotas.

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Aviões de Gol, Latam e Azul no aeroporto de Congonhas, em São Paulo - Eduardo Knapp - 8.jun.22/Folhapress - Folhapress

A defesa de um mercado mais concentrado que gere mais eficiência é questionável. Quando a Anac estava avaliando mudanças nas regras de distribuição de slots de Congonhas, a própria Azul promoveu uma campanha defendendo o aumento da competitividade no aeroporto. A soma de Gol e Azul ultrapassaria os 45%, limite de participação estabelecido pela Agência Nacional de Aviação Civil. Se não houver mudança na regra, parte dos slots teria de ser redistribuída.

Ao longo das duas últimas décadas, o número de passageiros voando pelos ares brasileiros mais que triplicou, saindo de 29 milhões para 95 milhões de passageiros por ano. Esse processo extraordinário de inclusão dos brasileiros no transporte aéreo somente foi possível por conta da concorrência. O mercado era menos concentrado, com três empresas líderes detendo pouco mais de 80% do total, e importante presença de outras empresas de porte médio. Graças a essa competição saudável, havia oferta de tarifas mais adequadas ao bolso dos brasileiros, além de mais assentos e mais opções para voar.

Atualmente, a concentração do setor é considerada pela própria Anac e pelo Cade, em diversos de seus documentos, como elevada e preocupante. Três grandes empresas dominam 99,6% do setor. Os resultados de uma elevada concentração de mercado provoca aumento das tarifas aéreas, redução do número de assentos e pouco incentivo à diversificação e à diferenciação de serviços. Não há nada parecido com isso em países de dimensão continental e grande diversidade regional como o Brasil. Nos Estados Unidos, com características similares, nenhuma das grandes empresas aéreas detém mais de 18% de market share.

O setor vem passando por período de muito estresse econômico, ainda ressentindo os efeitos colaterais da pandemia de Covid-19, que se soma à forte majoração no preço médio do combustível de aviação —que representa 40% dos custos operacionais das empresas. Movimentações no setor devem ser acompanhadas de perto por todos nós, pelo governo e pelo Cade, que deve zelar pela concorrência em prol de benefícios aos consumidores. Transporte aéreo não é bem de luxo: é essencial para a vida de milhares de brasileiros.

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