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Yasmin Curzi

Informação ambiental e emergência climática

Lógica do engajamento ameaça não só a democracia, mas o nosso futuro

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Yasmin Curzi

Professora e pesquisadora da FGV Direito Rio

A emergência climática no Rio Grande do Sul tem sido agravada pela desinformação. Durante as chuvas e inundações, uma avalanche de boatos sobre rompimentos de barragens, cortes de energia e escassez de alimentos tem dificultado as operações de resgate e a comunicação eficaz das autoridades. Atores mal-intencionados capitalizam a situação promovendo golpes, como pedidos de doações fraudulentas, e exacerbando o caos. Nesse cenário, governos e plataformas digitais precisam assumir um compromisso sério com a integridade da informação, especialmente ambiental.

A desinformação se espalha rapidamente em tempos de crise, muitas vezes fomentada pela desconfiança nas instituições governamentais. Quando a população está predisposta a acreditar em narrativas que reforçam seus vieses ideológicos, as publicações que descredibilizam o governo e exaltam influenciadores e atores de oposição ganham tração. Esse culto ao heroísmo seria menos problemático se não estivesse aliado à rejeição de políticas públicas para contenção de crises, transição energética, mitigação de emissões, combate ao desmatamento e adaptação climática.

Barco com voluntários em meio a enchente
Voluntários levam assistência à comunidade Guarani Mbya, em Porto Alegre - Divulgação/Cimi - Divulgação/Cimi

No entanto, publicações que criticam instituições e enaltecem heróis geram mais engajamento. Apesar de grandes divulgadores científicos tomarem a cena com explicações detalhadas sobre a emergência climática, a competição pela atenção é injusta "by default". O ecossistema informacional, na era das plataformas baseadas em recomendação algorítmica, prioriza conteúdos que provocam emoções fortes, como indignação, raiva e medo. São eles os mais tendentes a cativar a atenção dos usuários que comentam, curtem e compartilham mais esse tipo de conteúdo. Atores mal-intencionados se aproveitam dessa lógica para autopromoção, lucro ou agendas políticas, fabricando desinformação e indignação para gerar mais engajamento. As plataformas oferecem a recomendação como megafone para capturar a atenção dos usuários. Cria-se assim um ciclo vicioso, em que não há espaço para veracidade ou informação de qualidade.

O caos informacional instalado tem minado a confiança pública nas instituições, promovendo a polarização da sociedade e criando barreiras adicionais à ação coletiva. Em relação à emergência climática, temos efeitos devastadores para o longo prazo. Com a erosão da confiança, a capacidade de resposta é dificultada. Nesse cenário, governos e empresas precisam trabalhar juntos para promover a integridade da informação ambiental, garantindo que dados precisos e verificáveis sejam priorizados e amplamente disseminados.

O Acordo de Escazú —ainda pendente de aprovação no Congresso brasileiro— tem o acesso à informação ambiental como um de seus pontos centrais. Ele aponta a transparência e disponibilidade de dados ambientais para todos os cidadãos como medidas fundamentais para enfrentar a crise climática, já que é a partir dela que se torna possível cocriar um ciclo virtuoso de troca de informações e conhecimentos em níveis global, regional e local.

Em recente declaração conjunta, os relatores especiais para a liberdade de expressão (ONU, Osce, OEA e ACHPR) também destacaram a importância do acesso à informação sobre questões ambientais e climáticas. Seguindo o Acordo de Escazú, a declaração ressalta que os Estados precisam aderir ao princípio de divulgação máxima sobre questões ambientais e climáticas, de maneira acessível e oportuna.

Além disso, sublinha que as empresas de plataformas digitais devem adotar políticas de governança de conteúdo baseadas em direitos humanos, com a publicação contínua de relatórios de transparência sobre suas práticas de moderação de conteúdo, com atenção especial àquelas relacionadas ao meio ambiente e ao clima.

O combate à crise climática exige esforço, medidas efetivas e cooperação multissetorial. Para sua efetividade, a agenda da integridade da informação ambiental deve ser vista com prioridade. Ela deve englobar não apenas a mitigação de disseminação de informações falsas ou enganosas, com parcerias locais, mas também ações proativas de promoção de conteúdos de fontes verificadas, informações de qualidade, confiáveis e baseadas em evidências.

Além disso, é crucial olhar para os sistemas de recomendação das plataformas digitais. Se falharmos em encarar essa discussão com a seriedade que ela exige, a lógica de engajamento ameaça não apenas a democracia, mas o futuro da humanidade.

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