A revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, que aguarda a sanção do Prefeito, se deu a partir de um processo atropelado, que coloca uma pá de cal nos princípios que norteiam o planejamento da cidade.
Como é possível que uma matéria complexa seja elaborada, debatida e votada em menos de seis meses para os 12 milhões de paulistanos? O último substitutivo da Câmara, cheio de "fatos novos", foi divulgado dois dias antes e alterado no dia da votação, sem dar tempo à população para conhecer seu conteúdo.
Não se trata de uma revisão, mas de uma total inversão da lógica do Plano Diretor e do Zoneamento. As alterações ao Plano Diretor já possibilitam maior dispersão da produção imobiliária verticalizada, com incentivos construtivos para qualquer edificação com unidades voltadas ao segmento econômico, cuja destinação a famílias de baixa renda não tem sido controlada pela prefeitura. O novo Zoneamento configura uma carta branca para o mercado, um Plano Desorientador.
Esse texto viabiliza construções maiores e mais dispersas sobre muitas áreas sem atendimento por transporte público de alta e média capacidade, aniquilando o potencial dessa lei de aliar o adensamento à mobilidade ativa. Para alguns usos, como os grandes hospitais, as flexibilizações são tantas que, na prática, a lei não se aplica. Libera a atuação do mercado inclusive em áreas de proteção ambiental, ao nelas permitir restaurantes e habitação social, sem pensar na qualidade de vida da população residente e nos impactos nas funções ambientais, essenciais diante da crise climática que já enfrentamos. Ademais, o aumento de descontos ao mercado imobiliário reduzirá a arrecadação do Fundo de Desenvolvimento Urbano, utilizado para implantar habitação social, corredores de ônibus e equipamentos públicos, como creches e postos de saúde.
A lógica do parcelamento do solo foi destruída. Permitem-se grandes empreendimentos sem doação de áreas para equipamentos públicos, áreas verdes, e abertura de vias. Com isso, os cofres públicos serão onerados, pois o poder público terá que desapropriar terrenos valorizados para atendimento da população que vier a morar nesses locais. Além disso, shoppings centers e grandes igrejas poderão ser implantados em lotes de grandes dimensões, dificultando a mobilidade de pedestres em seu entorno.
A anulação automática de Zonas Especiais de Preservação Cultural quando houver implantação de infraestruturas de transporte e a alteração dos ritos de tombamento, passando para a Câmara competências do Conpresp, configuram um projeto de destruição das políticas de preservação cultural. Transformam um debate hoje embasado em análises técnicas e realizado por um Conselho no qual os vereadores possuem assento, em totalmente político, deixando nossa memória na mão das negociações da Câmara.
Os direitos da população moradora de áreas demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social estão ameaçados, uma vez que Conselhos Gestores e Planos de Ação Integrada em áreas em que o poder público decidir instalar suas unidades administrativas ou serviços públicos de abastecimento não serão mais necessários.
A lei amplia flexibilizações no licenciamento de edificações, aumentando a possibilidade de recálculo de áreas e reaproveitamento de valores já pagos. Isso resultará em uma especulação imobiliária constante sobre os imóveis, impactando em seus preços e nos tempos de aprovação.
Por fim, a baixa qualidade do mapa que acompanha a lei não permite distinguir o zoneamento aplicável em cada lote, o que causará inseguranças jurídicas indesejáveis e um possível aumento de judicializações. Os arquivos abertos divulgados pela Câmara até o momento são repletos de erros e divergem do mapa da lei.
Trata-se, portanto, de um um claro retrocesso no planejamento da cidade. Apelamos para que o Prefeito vete os diversos pontos danosos dessa lei, que gerará enormes impactos negativos na vida da população. Apelamos, ainda, que os vereadores, eleitos para dar voz aos interesses da população, tenham a dignidade de manter esses vetos.
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