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Nabil Bonduki

São Paulo na contramão do futuro

Novo zoneamento trará verticalização nos bairros, trânsito e mais emissões

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Nabil Bonduki

Professor titular de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relator do Plano Diretor de 2002 e 2014; ex-secretário de Cultura de São Paulo (2015-2016, gestão Haddad)

Se o segundo substitutivo da revisão do zoneamento for aprovado, São Paulo perderá a esperança de ordenar seu território por diretrizes urbanísticas contemporâneas. Vigorará "laissez faire, laissez passer", com edifícios altos dispersos pelos bairros e espalhados no meio das casas, mais carros, impacto na paisagem e mais emissão de CO2.

Sem uma avaliação consensual dos impactos da atual lei e sem estudos técnicos, o substitutivo, elaborado improvisadamente pelo Legislativo, não respeita a estratégia do Plano Diretor Estratégico (PDE), reconhecido por suas inovações. Ele atende apenas à avaliação do mercado imobiliário de que faltam terrenos para a verticalização (a maioria dos paulistanos não concorda). Permite prédios com, no mínimo, 15 pavimentos e, no máximo, sem limite de altura em cerca de 90% da área edificável da cidade. Apenas as zonas Exclusivamente e Predominantemente Residenciais (ZER e ZPR), cerca de 6% da capital, ficarão imunes.

Cinco sobrados remanescentes da vila operária João Migliari, em São Paulo, estão agora cercados de prédios em construção, após outras 55 casas do conjunto terem ido abaixo em 2019 - Adriano Vizoni - 21.jul.2023/Folhapress - Folhapress

O PDE de 2014 adotou o Desenvolvimento Urbano Orientado ao Transporte (DOT), conceito urbanístico que propõe o adensamento vinculado ao sistema de transporte coletivo de massa (metrô, trem e corredores de ônibus) para estimular a mobilidade pública e ativa, com calçadas largas e fachadas ativas (comércio no térreo).

O objetivo das Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEUs) era ter mais gente e menos carros, com edifícios sem limite de altura, com unidades de, no máximo, 80 m2 em média, e apenas uma vaga de garagem.

Em compensação, no miolo dos bairros, os prédios ficavam limitados a oito pavimentos na Zona Mista (ZM) e a três pavimentos na ZPR. Em 2016, atendendo-se ao mercado, criou-se a Zona de Centralidade (ZC), com limite de 16 pavimentos.

Estudos mostraram a concentração dos empreendimentos em ZEUs, enquanto os miolos de bairros foram pouco impactados, como se pretendia. Mas ocorreu nas ZEUs uma proliferação de um mix de microapartamentos com apartamentos enormes, com várias vagas de garagem. E desvios na aplicação dos benefícios para habitações de interesse social.

A revisão do PDE não corrigiu esses problemas, mas mesmo discordando das alterações aprovadas, ela ainda conservava os princípios do DOT. Agora, destruiu-se completamente qualquer conceito urbanístico.

As ZEUs cresceram em 35%, mas o grave é aumentar a altura dos prédios em ZM (42 m, térreo mais 14 pavimentos) e em ZC (60 m, térreo mais 20 pavimentos). Essas zonas somam mais de 50% da área edificável, onde predominam sobrados. Somadas às ZEUs, Operações Urbanas e Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), chega-se a 90% da metrópole.

O coeficiente de aproveitamento computável nessas zonas é 2, mas pode chegar a 4 na área privativa, com o acréscimo das varandas e se atendidos requisitos ambientais e sociais (que deveriam ser obrigatórios). E a 7, se consideradas outras áreas não computáveis. Serão torres dispersas no meio do casario.

Nessas condições, as ZMs e ZCs se tornarão mais atrativas que as ZEUs e, como estão em regiões distantes do transporte coletivo de massa e não têm limite para as vagas de garagem, estimularão o automóvel —contra todas as diretrizes urbanísticas, ambientais e de adaptação das cidades à emergência climática.

Somadas a outras mudanças, o segundo substitutivo, apresentado nesta terça-feira (19), às vésperas do Natal, altera o zoneamento em praticamente toda a cidade, sem que os moradores tenham tempo para saber o que acontecerá na sua vizinhança.

A maioria da Câmara Municipal pretende votar essa aberração nesta quinta-feira (21), sem proceder a devida análise dos impactos decorrentes. É muito grave.

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