Invasão de terrenos sob ameaça, expulsão de moradores, construções sem licença ambiental e até achaque a vendedores de gelo usado nas praias: estes são alguns dos efeitos colaterais severos da expansão das milícias no Rio de Janeiro. Entre 2006 e 2021, cresceram em 387,3% as regiões sob o domínio de grupos paramilitares no estado.
Áreas de milícia lideram os registros de crime de esbulho possessório —a tomada, com violência ou grave ameaça, de imóvel ou terreno alheio. Entre janeiro de 2019 a dezembro de 2022, foram 430 casos, segundo levantamento publicado na série Milícias do RJ, desta Folha, que percorreu por dois meses 60 áreas da zona oeste do Rio e da Baixada Fluminense.
Com origem em grupos de extermínio compostos por agentes de segurança e ex-policiais há mais de 70 anos, as milícias se infiltraram no comando de regiões inteiras, no narcotráfico e no próprio Estado, provando a ineficácia da política teatral de operações pontuais.
A tomada agressiva de territórios revela, aliás, ponto nevrálgico desses grupos: a sustentação financeira. Investigar origens do dinheiro por meio de inteligência preventiva e sufocar as fontes de renda dos milicianos deveriam estar no centro da estratégia. Não estão.
A história da violência no Rio pode ser recontada a partir de políticas falhas, do policiamento comunitário desestruturado como das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) —apesar de seus resultados positivos no início— a operações com alta letalidade policial e de resultados pontuais, sem reverter o controle dos territórios.
Desde o início de outubro, o governo federal deslocou ao estado mais de 500 agentes da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal. Embora policiamento ostensivo seja relevante, seria mais eficaz focar nas lideranças e nos agentes intermediários que constroem a sustentação política e econômica desses grupos.
Na última quarta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou medidas para enfrentar a crise na segurança pública no Rio. Investigação financeira, ações de inteligência e articulação entre polícias estão entre as ações previstas, o que é bem-vindo, embora pouco esteja detalhado até o momento.
A proposta de um decreto para a Garantia de Lei e da Ordem (GLO) específica para portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo é mais duvidosa: de um lado, compromete a imagem da Polícia Federal, que passaria a responder a militares, e, de outro, não afeta o domínio territorial das milícias.
Há muitas ideias para o Rio de Janeiro. Fazer com que funcionem exige mais inteligência e planejamento do que ações de alta visibilidade, mas de pouco efeito prático.
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