É notável o descompasso entre o que o mundo político hoje enxerga na Procuradoria-Geral da República e aquilo que os constituintes imaginaram para o órgão.
Na visão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dos senadores, tudo parece se dar como se a única função relevante da PGR fosse a atuação na esfera penal, com a capacidade de oferecer denúncias criminais contra quem só pode ser julgado no Supremo Tribunal Federal. É esse o caso do presidente da República e dos congressistas.
A Constituição, contudo, espera muito mais desse órgão responsável por chefiar o Ministério Público Federal. Sua missão inclui zelar pelos interesses da população como um todo e fiscalizar o cumprimento das leis, além de vigiar o poder e defender o regime democrático —duas atribuições ignoradas na gestão de Augusto Aras.
Cabe à PGR, ademais, tocar processos no Tribunal Superior Eleitoral e no Superior Tribunal de Justiça, onde sua caneta permite, por exemplo, federalizar graves violações de direitos humanos.
Gama tão ampla de poderes deveria ser tratada com a máxima seriedade, mas Lula tomou outro rumo.
Mesmo sabendo quando terminaria o mandato de Aras, não se antecipou para definir a sucessão; agora que aliados lhe mostraram alguns nomes, o presidente não gostou de nenhum e julgou aceitável manter um comando interino.
Hesita não por querer conhecer as aptidões jurídicas dos candidatos, mas por estar inseguro quanto ao alinhamento político deles. Leia-se: por não saber como vão se comportar diante de eventuais investigações criminais que envolvam membros do atual governo.
Lula joga fora a chance de retomar tradição que ele próprio inaugurou ao pinçar pessoas dentro de uma lista tríplice elaborada pelos pares. Prefere se guiar pelos maus exemplos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Jair Bolsonaro (PL), que nomearam um proverbial engavetador-geral da República.
O Senado, que poderia melhorar esse quadro, não o faz. Tendo o dever de aprovar a seleção do presidente, essa Casa exerce um controle mesmo antes de sabatinar o indicado —afinal, ninguém quer correr o risco de lançar alguém que será rejeitado no Congresso.
O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) sabe disso muito bem. À frente da Comissão de Constituição e Justiça, ele tem travado a votação de nomes para outros cargos no intuito de elevar sua influência na sucessão da PGR.
Não o faz com a finalidade de aperfeiçoar o processo; assim como Lula, Alcolumbre e outros senadores só querem manter no cabresto a pessoa com o poder de denunciá-los —o que já diz muito sobre suas intenções de cumprir a lei.
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