O bem-estar material tende a ser fator decisivo para as escolhas do eleitorado, e o caos econômico não raro descamba para a desordem social e política. Em meio ao descontrole inflacionário e ao encolhimento da renda, a Argentina experimenta hoje esse risco.
Nas primárias para a Casa Rosada realizadas em 13 de agosto, o voto de protesto proporcionou a ascensão de um candidato antissistema, Javier Milei, de um radicalismo liberal irrealista. Poucos dias depois, o país vizinho se viu às voltas com uma onda de saques populares a supermercados.
Os ataques começaram em cidades da província de Mendoza e se espalharam pelas de Córdoba, Neuquén e Río Negro, além da região metropolitana da capital Buenos Aires —onde, segundo relatos, cerca de 200 pessoas foram detidas na semana que passou.
A menos de dois meses das eleições, o desalento e o desespero são tratados à base de politização rasteira. A porta-voz da Presidência, Gabriela Cerruti, disse que os candidatos da oposição incentivaram os ataques pelas redes sociais.
A presidenciável conservadora Patricia Bullrich, que advoga o endurecimento da política de segurança pública, cobrou "lei e ordem para sair desse inferno"; o autoproclamado anarcocapitalista Milei, não sem fundamento, relacionou os saques à crise econômica.
A conjuntura é de fato calamitosa, com aumento da dívida externa, derretimento da moeda nacional e inflação acima dos três dígitos.
Segundo dados de março do Indec, o IBGE argentino, o percentual de pobres (com renda individual mensal inferior a 57.302 pesos, então R$ 774) quase dobrou em dez anos, indo de 25,9% da população em 2012 para 43,1% em 2022.
Dificilmente se poderá demonstrar o papel da radicalização política no incentivo aos saques. O fato é que o presidente esquerdista Alberto Fernández colhe, ao final de seu mandato, resultados desastrosos de uma política que evitou ajustes nas finanças federais.
A disputa presidencial se afigura imprevisível, dado o equilíbrio entre os principais candidatos, entre eles o governista Sergio Massa, ministro da Economia. A incerteza se estende à composição futura do Congresso, o que não permite prever como a Argentina tentará escapar do caos em que se meteu.
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