A recente decisão liminar do Supremo Tribunal Federal que suspendeu o artigo 17, §2º, II da lei federal 13.303/16 representa nefasto retrocesso, comprometendo a um só tempo o sistema constitucional de promoção da integridade pública e combate à corrupção e a lógica, absolutamente assimilada, tradicional e efetiva, de freios e contrapesos, de autocontenção do poder.
Fundamenta-se, data venia, em premissa alheia à realidade dos fatos e à própria natureza humana, de que a estruturação de células de compadrio, amizade e "gratidão" por favores e apoio recebidos não é potencialmente comprometedora da lisura das decisões tomadas no âmbito das empresas públicas e do sucesso de seus resultados.
Como se as reiteradas iniciativas de alocar correligionários —com resultados muitas vezes desastrosos (vide Petrobras)— não inspirassem maior cuidado e atenção.
A temática dos conflitos de interesses é inerentemente sutil, inexata, dúbia —o que por si só já torna admissão de aspectos políticos em sua mensuração no mínimo problemática.
A promiscuidade entre interesses próprios —quer pessoais, quer de grupo— e públicos compromete a estabilidade e confiabilidade das empresas estatais, as quais, a seu turno, repercutem em todo o mercado.
Não se trata de isonomia ou liberdade de convicções políticas, mas de respeito à moralidade, à impessoalidade (tratar distintamente os diferentes, empresas públicas e privadas), à eficiência e à razoabilidade.
Tanto é assim que a OCDE adota expressamente em suas diretivas a orientação de manutenção de um quadro apolítico, técnico, não sujeito às inclinações do partido ou circunstâncias do poder em sua alta administração.
À parte o aspecto ético e moral da transposição de atores da arena política para a gestão de empresas públicas, há, ainda, um impeditivo que lhe é anterior, de (ao menos) igual estatura, posto que de estirpe constitucional.
Nossa Carta é estruturada de forma que cada um dos Poderes da nação seja incumbido de uma função precípua, específica, da qual decorre, inclusive, a forma de investidura de seus membros.
Comezinha a noção de que somente o Legislativo goza de legitimidade democrática para editar normas tradutoras das escolhas públicas; ao Judiciário cabe zelar para que tal atividade se desenvolva de forma compatível com as regras e valores regentes do nosso ordenamento.
Ora, efetivada a escolha pelo legislador por processo regular e observados os parâmetros legais, suas escolhas não estão sujeitas ao escrutínio de quaisquer outras instâncias constituídas, nem mesmo ao Judiciário —ao qual a Constituição não outorga competência para tecer juízos de propriedade, de conveniência ou oportunidade, quer quanto às decisões de ordem normativa quer executórias.
Defender posição diversa traduz —para além de total desprezo aos desideratos fundamentais de moralidade, impessoalidade, eficiência e democrático— inadmissível ataque à estratégia constitucionalmente consagrada de distribuição de competências e controle mútuo —a qual, em última análise, constitui cláusula pétrea de nossa República.
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