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Fábio Medina Osório

Jair Bolsonaro deve ser responsabilizado criminalmente pelos ataques golpistas? NÃO

Faltam indícios concretos de participação como mandante ou financiador

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Fábio Medina Osório

Advogado e ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (2016, governo Temer)

Diante dos violentos e repugnantes ataques às instituições democráticas do Brasil, no último dia 8, houve o desencadeamento de investigações para apurar os atos criminosos. A tipificação desses crimes pode perpassar diversas legislações. Destaco as leis 14.197/2021 e 12.850/2013. Deverão ser identificados os autores, coautores, partícipes, mandantes e financiadores de tais atos, praticados em detrimento das instituições e do erário.

Os fatos estão sob apuração em inquérito no STF, sob relatoria do eminente ministro Alexandre de Moraes, embora os investigados não tenham prerrogativa de foro. O que se indaga, nesse espaço, é se haveria a possibilidade de buscar a responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro por atos criminosos diagnosticados nas investigações. A resposta a essa indagação é bastante singela.

Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ministro da Justiça Anderson Torres - Adriano Machado/Reuters

Num Estado democrático de Direito, ninguém está acima das leis. Ao mesmo tempo, o direito penal exige investigações republicanas e regidas pelo princípio da responsabilidade subjetiva, com a interdição à arbitrariedade dos poderes públicos. Nenhum poder de Estado pode agir na persecução penal com desvio de poder ou abuso de autoridade, extrapolando suas competências e finalidades institucionais.

Para que uma pessoa seja investigada por atos criminosos, deve haver indícios de seu envolvimento e individualização mínima da conduta a ser investigada. O objeto da pesquisa investigativa deve ser formalizado e registrado, e seus alvos devem ser identificados após a existência de pelo menos leves indícios contra eles. Do contrário, seria permitido que a autoridade investigativa elegesse alvos aleatoriamente e pudesse atuar com desvio de poder ou de finalidade para perseguir inimigos ou desafetos.

Para que Bolsonaro pudesse ser responsabilizado —e até investigado pela prática dos crimes ocorridos, considerando que ele não estava no local— seria necessário identificar indícios de participação dele como mandante ou financiador. A mesma lógica se aplica a outros personagens.

Ressalte-se que a eventual responsabilidade por omissão de agentes públicos ou ex-servidores públicos é muito problemática. A Abin teria alertado os ministérios do governo federal na véspera sobre a iminente prática de atos criminosos, conforme noticiou esta Folha. Não obstante, também houve aparente omissão de autoridades públicas governamentais federais. E certamente houve omissões de autoridades públicas do Distrito Federal.

Ocorre que essas omissões não caracterizam crimes omissivos impróprios na perspectiva da legislação penal aplicável à espécie. Pode-se examinar mais a fundo, em outro espaço, o tema dos crimes omissivos impróprios no contexto desses ilícitos, mas é certo que não se aplica a um ex-presidente da República —muito menos a um presidente da República ou a ministros de Estado— a teoria do não exercício de suas competências para responsabilizá-los pelos crimes cometidos. Essas competências devem ser analisadas no plano operacional dos comandos das polícias, as quais, no DF, inclusive têm autonomia funcional. Não seria possível, assim, responsabilizar nem o governador do DF, tampouco ministros de Estado, muito menos presidente da República ou ex-presidente da República.

Mesmo a apreensão de uma minuta de decreto para alterar o resultado das eleições, na residência do ex-ministro Anderson Torres, não é indicativo de relação causal da conduta de Bolsonaro ou do ex-ministro com os crimes do último domingo.

Trata-se de fato autônomo, ato preparatório de outro ilícito objeto de desistência voluntária, a não ser que os protagonistas tenham prosseguido nos atos de execução e ordenado as invasões ou financiado os movimentos.

Devemos prestigiar o direito penal do fato, não o direito penal do autor.

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