Ao longo deste ano, comemoramos o centenário do escritor José Saramago. Celebração que se espalhou em diversos países, onde vida e obra foram revisitadas.
Conhecido por obras como "Ensaio sobre a Cegueira", "Memorial do Convento", "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", entre outros, é também lembrado por sua posição ética.
Espécie de Sócrates português, arrastou suas sandálias e a beira das vestes pelo caminho da ironia pedagógica. Usa a ironia e sua prima metáfora operando simultaneamente o desvio e o empréstimo de uma palavra para chegar à outra. Apontando algum sentido para logo depois confrontá-lo, sempre rodeando a grande questão: o que é a justiça?
No Brasil, o autor é lido, relido e continuamente citado. Para alguns leitores, Saramago é uma leitura difícil, encarar a linguagem do autor seria atravessar o que se entenderia por erudição.
Interessante é que é da terra, da fala dos avós analfabetos, que Saramago também retira o diapasão de sua narrativa, uma escrita basculante que nos inclina tanto para a astúcia da língua, quanto para a oralidade.
Há erudição na oralidade. O autor busca a palavra onde as pessoas estão presentes, simultâneas aos seus dizeres. A fala onde ela nasce, na garganta, na lavoura, em Galileia vendo um menino receber a culpa como herança paterna, no consultório de um oftalmologista que será o primeiro a ficar cego, no amor de um casal que guarda o segredo dos condenados.
Outra marca do autor é o ceticismo, talvez a melhor forma de preservar a esperança, os pés no combate real, o peso do tempo, a queimadura das transformações históricas, a finitude concreta e de prontidão.
A autonomia é uma conquista coletiva, nunca individual, é temeroso colocar o futuro em ilusões e altares. Um autor que merece ser lido sem pressa, sem guia turístico, mapa ou as abstrações deste texto.
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