Desde a década de 2000, o termo "Antropoceno" vem sendo popularizado para descrever a era geológica que começou a partir da visível (e por vezes irreversível) alteração global causada pela ação humana.
É de extrema importância não apenas a conscientização das questões ambientais e possíveis formas de aplacá-las, mas também o correto endereçamento de quem é responsável e tem algum poder sobre a mudança climática. A conscientização vazia —como enxergo os recentes ataques de ambientalistas a obras de arte— só faz um estardalhaço sobre a questão, sem apontar os devidos responsáveis e tampouco as possíveis formas de trabalharmos a situação. O que vejo de maneira claramente positiva nesses ataques é que os ambientalistas responsáveis, em sua grande maioria, aparentam ser bem jovens —fato este que pode acender certa esperança sobre as gerações futuras e a maneira como se posicionam sobre as questões ambientais.
Qual a relação entre o aquecimento global e as possíveis catástrofes agrícolas de décadas futuras e os grandes bastiões da pintura ocidental? Pouca ou nenhuma. Como comentou um dos visitantes da National Gallery, em Londres, onde foi realizado o ataque do grupo Just Stop Oil (o primeiro dessa onda mais recente), os frequentadores do museu —em sua grande maioria— já estão conscientes e minimamente preocupados com o aquecimento global.
A argumentação dos ambientalistas responsáveis pelos ataques parece seguir a lógica de que as obras de arte deveriam ter menos atenção e são menos importantes do que as pautas que defendem e para as quais chamam a atenção, como se um valor anulasse o outro —ou se essas esferas estivessem ocupando o mesmo espaço na cabeça das mesmas pessoas. Como se a atenção voltada para uma pintura a óleo retratando um vaso de flores influísse de alguma maneira na preocupação que as pessoas têm (ou deveriam ter) com a indústria do petróleo ou a poluição do plástico nos nossos oceanos.
Purê de batata e sopas de ervilha e de tomate atirados sobre obras devidamente emolduradas e protegidas... Os ataques são muito mais simbólicos e inócuos do que aparentam.
A única lógica que parecem seguir é a de chamar atenção de algum jeito —qualquer jeito. E as relíquias culturais europeias pareceu-lhes a via mais fácil e rápida para este fim. No entanto, a banalização do ato com a sua repetição e a impossibilidade de comover o público em geral tira o foco desses ataques, sem contar a falta de clareza de quais ações possíveis estão sendo reivindicadas.
Depois de saquear as riquezas artístico-culturais de outras épocas, regiões e civilizações, agora o europeu começa a simbolicamente atacar as suas próprias. O gosto amargo que fica é que um lado do espectro político tenta inviabilizar a produção artística mais recente, e o outro, por sua vez, não tem muito interesse em preservar as riquezas de épocas anteriores.
O mundo da arte não é alheio a ataques, destruições, rasuras e vandalismos. Perpetrados seja por quem é de dentro, de fora ou segue às margens dele. E se tem uma coisa que a arte pode ensinar às recentes manifestações é que o impacto se torna maior se o ataque for estrondosamente irreversível e que a cada repetição o valor de choque —e consequentemente o impacto da ação e a empatia para com ela— perde força e alcance. Os holofotes voltados para o mundo das artes acendem e apagam, enquanto os reais responsáveis pelos danos ambientais continuam os negócios, como de costume.
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.