Em 2019, na COP do Clima, em Madri, a União Europeia anunciou o lançamento de seu Green Deal, ou Pacto Verde europeu, um pacote de medidas para viabilizar a meta de neutralidade de emissões de gases de efeito estufa até 2050.
Desde o pós-guerra, vigoroso processo civilizatório iniciado pelos vitoriosos no conflito mundial, mas que em seguida incorporaria os demais países, logrou construir uma ordem internacional sem precedentes. Com abrangência universal, foram estabelecidas entidades como a ONU e suas agências e as chamadas instituições de Bretton Woods. Como pilares desse sistema estão o princípio da igualdade soberana das nações, refletido no voto de cada país, e a responsabilidade compartilhada por temas de interesse global: guerra e paz, direitos humanos, desenvolvimento, comércio, saúde pública, educação e cultura.
A partir da década de 1970, especialmente com a Rio-92, conferência da ONU que aprovou as Convenções do Clima e da Biodiversidade, a agenda ambiental, de robusta base científica, foi conquistando crescente centralidade. Do ponto de vista geopolítico, as mudanças climáticas hoje configuram desafio que poderia ser comparado à importância que tinha a temática da não proliferação nuclear durante a Guerra Fria.
No entanto, por mais importante que seja essa agenda planetária, é um multilateralismo em crise que faz vicejar medidas voluntaristas unilaterais, como podem ser caracterizadas as iniciativas pelas quais, no âmbito do Green Deal, vai se atribuindo à União Europeia poderes de instância regulatória global.
No dia 13 de setembro, o Parlamento Europeu aprovou legislação que estabelece o dever de diligência devida ("due diligence") para empresas europeias importadoras de commodities, que precisarão evidenciar ausência de desmatamento em sua cadeia produtiva. Diversas commodities brasileiras serão abrangidas pela legislação, cujo texto final passará por revisão dos membros nacionais da União Europeia.
O Brasil tem setores que exportam há anos para a Europa com atuação em linha com a nova bioeconomia, circular e descarbonizada. No caso dos produtos de árvores cultivadas, como madeira e papel, a UE deixou de considerar que, no Brasil, se originam de processos produtivos que há décadas são voluntariamente certificados por rigorosos sistemas internacionais, como o FSC ("Forest Stewardship Council"), em cujas regras está a exclusão de quem tenha desmatado após 1994.
Mesmo que as motivações europeias sejam nobres, a maneira como está sendo construída a peça legislativa parece inapta a separar o joio do trigo. Ao contrário, tende a empurrar para uma vala comum setores modernos, sustentáveis e competitivos, os quais podem ser perversamente assemelhados àqueles que cometem ilegalidades.
Outra potencial deficiência do unilateralismo, em que impera a lei do mais forte, é o descompromisso com o valor que se busca proteger. É possível ver isso no esforço unilateral feito pelo Ocidente de intervenção, sem sucesso, na invasão da Ucrânia pela Rússia. E no caso do Green Deal, ao impor sobrecustos proibitivos a exportações de commodities, fecha mercados e pode gerar prejuízos sociais e econômicos —sem necessariamente promover a reversão do desmatamento. Ademais, é muito tênue a linha que separa a boa intenção de combater o desflorestamento da tendência protecionista de discriminar exportadores especialmente competitivos. O risco é que iniciativas como essa provoquem recursos à Organização Mundial do Comércio, mais um organismo multilateral a ser revitalizado.
Cabe assinalar que esse ativismo unilateralista coincide com momento pouco favorável na interlocução diplomática do Brasil com a UE. Em outra conjuntura, não seria irrealista trabalhar para convencer Bruxelas a revisitar essa questão. Em matéria de sustentabilidade, o que o mundo precisa é de um Green Deal global. Nos próximos meses teremos a COP27 do Clima, no Egito, e a COP15 da Biodiversidade, no Canadá, que serão oportunidades propícias para consolidar e apontar caminhos para o grande pacto verde que se impõe às atuais gerações.
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