Antes de se tornar presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) já deblaterava contra a demarcação de terras indígenas. Disse que não demarcaria nem um centímetro de área e manteve-se fiel à palavra dada. Se o cumprimento de uma promessa mostra respeito ao eleitor, nesse caso há também um conflito em potencial com a Constituição.
As "quatro linhas" da Carta, como gosta de dizer Bolsonaro, estabelecem: "A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição" (art. 67 das Disposições Transitórias).
O prazo, portanto, esgotou-se em 1993. Resta evidente que não apenas Bolsonaro mas todos os governantes pós-1988 estiveram em débito com o mandato constitucional e com os povos aos quais a nação reconheceu o direito originário às suas terras tradicionalmente ocupadas (art. 231).
O atual presidente saiu-se pior que Michel Temer (MDB), que em 28 meses de mandato oficializou um único território. Os números mais expressivos couberam a Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com 145 unidades demarcadas, e Fernando Collor de Mello, com 112.
A lacuna histórica que o constituinte tentou reparar, assim, continua sem solução. Persistem no Brasil, três décadas depois de esgotado o prazo constitucional, mais de 300 terras em alguma fase do processo de demarcação inconcluso.
Com a insegurança jurídica perene e a hostilidade contra povos indígenas insuflada por Bolsonaro, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais invadem essas terras com audácia galopante. Resultado do assédio: conflitos, doenças, gravidezes precoces e esgarçamento das relações tradicionais entre aldeias, que passam a digladiar-se.
Exemplo eloquente da deterioração começou a ser dado pela primeira reportagem da série sobre demarcação que a Folha lançou nesta semana. Os jaminawas do Acre ocupam desde 1997, por decisão da Funai, terras que até hoje não foram demarcadas.
Sem poder contar com o poder público para fazer valer direitos, a terra Jaminawa do Rio Caeté vê seus jovens sem perspectiva de uma vida segura cooptados por facções criminosas atuantes na região de Sena Madureira. Aldeias passam a identificar-se como afiliadas a grupos inimigos entre si, reproduzindo o que há de pior no Brasil não indígena.
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