Em rápidas linhas, há de se dizer que o país teve, no debate da TV Globo desta quinta-feira (29), mais uma oportunidade de confrontar os "brasis" possíveis. De um lado, o ódio e o rancor. A incompetência, a vilania, a mentira e o despreparo. De outro, o amor e a esperança. A capacidade de ouvir e de escutar.
Os vencedores, além daqueles que dormiram e não assistiram e do próprio mediador, foram os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet (MDB). Os demais, de forma patética e constrangedora, orquestraram um ataque vil e de muito baixo nível contra o primeiro colocado em todas as últimas pesquisas eleitorais.
Não podíamos ficar quietos diante de agressões como as do Padre Kelmon (PTB). Ele bem que poderia sumir com os tais balões. Lula tinha mesmo que responder: "Só defende a honra quem tem". Vamos vencer as eleições e virar esta triste página da nossa história.
Ao que nos interessa realmente…
Uma das perguntas mais recorrentes de jornalistas a Nelson Mandela era se ele sentia rancor depois de 27 anos preso, encarcerado por um regime que perseguia e assinava o seu povo.
O ódio turva a mente. Os líderes não podem se dar ao luxo de odiar, ensinava Mandela, conforme mencionado em um perfil do jornal El País, publicado logo após a morte do político sul-africano. De fato, ao ser eleito presidente, Mandela formou um governo de amplo espectro, inclusive com atores políticos do antigo regime opressor. Atuava com grande desenvoltura nas articulações e mostrava, habilmente, ser capaz de fazer concessões, sem apegos dogmáticos e, ao mesmo tempo, sem ceder aos seus princípios. Como estadista, abraçou a pacificação do país como objetivo estratégico, estimulando a inclusão da maioria negra e cultivando o sentimento de pertencimento, inclusive via esporte, como narra o filme "Invictus" (2009).
O apelo ao entendimento —tão frequente na política— está materializado, hoje, na candidatura Lula-Alckmin. A perspectiva alvissareira de vitória da chapa nas eleições presidenciais torna o convite um ponto de inflexão para atores sociais relevantes em nossa vida institucional.
Três partidos políticos tradicionais e um grupo social bem organizado —a elite do empresariado brasileiro— têm nas mãos, hoje, a chance da transformação. Entrar na história, triunfante, pela porta da frente, é destino de quem consegue "dar a volta por cima" e compreende de que lado da história deve ficar.
O MDB, por exemplo, que desafortunadamente abraçou o golpe jurídico-parlamentar em 2016, pode começar a se reconciliar com o partido da transição democrática dos anos 1980. Vale recordar que antes do fim do bipartidarismo, em 1979, a legenda abrigou diversos quadros políticos que vieram do exílio. Alguns, inclusive, contribuíram para a formulação do programa da sigla, como o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, José Serra, ligado ao grupo católico conhecido como Ação Popular (AP), e Fernando Henrique Cardoso.
O PSDB, outro partido igualmente relevante na história recente do país, tem nas mãos a chave da reparação. A própria figura de um ex-integrante orgânico do ninho tucano, hoje ao lado de Lula, sinaliza a urgência de escolhas e o grau de responsabilidade que recai nesta conjuntura delicada para a democracia e para a estabilidade econômica.
Geraldo Alckmin, Franco Montoro, José Serra, Bresser-Pereira, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e outros dissidentes do MDB fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira em 1988. Escolhido vice por Mario Covas na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em 1994, Alckmin foi o político que por mais tempo (16 anos) comandou o estado de São Paulo desde a redemocratização do Brasil.
Hoje no PSB, Alckmin, na comparação com o futebol, surge como um dos craques talentosos de um time rival que acaba sendo contratado pelo principal adversário. Não é à toa. Longa experiência política e 16 anos no comando do estado de maior relevância econômica do país conferem robustez a qualquer equipe.
O PSDB, portanto, está convidado para um ato de ressignificação que pode virar as tristes páginas inauguradas em 2014 (quando questionou até mesmo as urnas eletrônicas) e resgatar as bandeiras dos tempos primórdios: nada mais, nada menos do que a intransigente defesa da democracia e a busca por um estado de bem-estar social. Pode, também, se afastar em definitivo do governo que ajudou a eleger e que deixou no país um rastro triste de destruição e de miséria.
E ao que parece, tem a exata dimensão deste desafio. Para a alegria de todos, figuras como José Gregori, José Carlos Dias, Belisário dos Santos Jr. e Aloysio Nunes já anteciparam a escolha pela civilização contra a barbárie e o autoritarismo.
O PDT, por sua vez, pode se reencontrar. Diversas lideranças do partido trabalhista, e alguns de seus filiados mais antigos, seguiram o mesmo caminho.
Quanto ao empresariado nacional, a elite recebe o mesmo apelo de reparação. Até porque – dos bancos às grandes corporações industriais, do comércio ao agronegócio – todos os setores empresariais usufruíram anos de prosperidade nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), além de canais permanentes de diálogo.
Breve registro histórico: naquele período, o Brasil alcançou o posto de sexta maior economia do mundo; atualmente, encontra-se na 12ª colocação no ranking. Acumulou mais de US$ 370 bilhões em reservas, gerou milhares de empregos, distribuindo renda e oportunidades, e cresceu de forma sustentada e sustentável em uma média anual nunca antes atingida por nenhum outro governo (mais de 4% em todo o ciclo dos nossos governos, com um pico de significativos 7%).
O país viu, também, o empoderamento de uma nova classe média com alto poder de consumo, e a erradicação da fome e da miséria que hoje voltaram a assolar a vida de mais de 35 milhões de brasileiros e brasileiras.
Chegou a hora de o empresariado romper o silêncio ensurdecedor. Chegou a hora de apostarem no valor do trabalho, na economia sustentável, inovadora e inclusiva. O caminho já foi apontado por Ricardo Semler, ex-vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em artigo recente nesta Folha ( "Às armas, companheiros", 12/3/22): é hora de os empresários se unirem para evitar o pior. No texto, o empresário defende o voto em Lula e alerta para o risco de o Brasil virar "pária internacional" caso o atual presidente permaneça no Palácio do Planalto.
Ao lado do setor produtivo nacional, PMDB, PDT e PSDB podem dar uma resposta de grandeza e amor ao Brasil —resposta que não admite, no vocabulário, a palavra omissão. É hora de reparação da ordem institucional-democrática. Abraçar a candidatura de Lula, no primeiro turno, afastará turbulências já previstas no segundo momento. Ser protagonista em um arco social amplo e participar de uma coalizão progressista é a escolha que permitirá a PMDB, PDT e PSDB se reconciliarem com sua antiga essência democrática.
Do mesmo modo, para a elite econômica, é hora de atuar na reparação. Os anos recentes foram de danos à democracia, ao desenvolvimento econômico e às instituições republicanas. A normalidade econômica e social foi afetada.
Aliás, a escolha não é tão difícil. E nunca foi. O oponente é conhecido, no meio de onde surgiu, como um "mau militar", segundo definição de um superior hierárquico, o general Ernesto Geisel. O oponente mostrou ao Brasil —e ao mundo— um modelo de governança autoritária, onde prevalecem o desprezo pela vida e a implacável vontade de reduzir direitos sociais, de afrontar minorias e de gerar ainda mais pobreza. Como se vê, a opção em Lula é ainda mais fácil.
Observação: Shakespeare escreveu "Júlio César" e conta que, ao se deparar com o autoritarismo do imperador César, o senador Marcus Junius Brutus não se omitiu. Diante da fragilidade da República romana, refere-se ao ditador César como o "ovo de serpente" que, por sua natureza, se tornará nocivo. "Assim, matemo-lo enquanto está na casca", aconselhava.
Sem a brutalidade do senador romano, as atitudes de desprendimento do PMDB, do PDT e do PSDB —aliadas aos gestos de responsabilidade social das "elites"— podem antecipar, no primeiro turno, um novo e auspicioso ciclo para o país. Contando com sistemas eletrônicos e urnas confiáveis e seguras, os brasileiros abreviarão os dias difíceis a que estão submetidos e votarão em Lula como opção de esperança e de anseio por um país mais justo, mais diverso e mais inclusivo.
Ninguém pode mais pecar pela omissão. Chegou a hora de decisões cruciais para as futuras gerações.
Recordando um dos sermões do Padre António Vieira, o convite é incisivo: "Um dia vão nos pedir estreita conta do que fizemos, mas muito mais ainda do que deixamos de fazer". Em outras palavras, a omissão pode acarretar um castigo muito mais severo.
Chegou a hora, já no primeiro turno das eleições de outubro, de antecipar escolhas e de afastar o risco da opressão e dos descaminhos —econômicos e sociais—, cujos estilhaços já estão por toda parte.
É hora de reconstruir e de unir, para recuperar e reconciliar o nosso país. Podemos, juntos, afastar de vez o risco de um período de incertezas e de violência que um segundo turno materializaria no Brsail.
Façamos do nosso voto um contundente veto a Jair Bolsonaro (PL). É Lula já!
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.