Na mitologia da extrema direita global, "cidadãos de bem" armados tornam as sociedades mais seguras. Já a ciência busca analisar os fenômenos da forma mais abrangente possível, não apenas em seus recortes cinematográficos.
E há farta literatura científica a demonstrar que, quando aumenta o número de armas de fogo em poder da população, o que se amplia de forma dramática não são os atos de heroísmo, mas os suicídios, os acidentes e os homicídios em conflitos interpessoais, muitas vezes por motivos banais.
Nesta semana, por exemplo, o noticiário foi ocupado pelo caso do campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo, assassinado por um policial após um desentendimento num show em São Paulo.
Pouco antes, houve o assassinato do guarda municipal petista Marcelo Arruda, de Foz do Iguaçu (PR), baleado por um policial penal bolsonarista durante uma briga.
O armamentista convicto costuma dizer que as armas são apenas instrumento —o que importaria de fato seriam as decisões pessoais. O argumento talvez valha para o suicídio, mas não para os acidentes nem para os homicídios em momentos de agressão impensada.
No caso brasileiro, os artefatos em posse de civis também ajudam a abastecer os arsenais dos criminosos. Como mostrou reportagem da Folha, nos últimos cinco anos no estado de São Paulo bandidos surrupiaram 11.985 armas, das quais a metade estava em residências.
Ou seja, mesmo a menos polêmica das posses, a do produto que fica guardado dentro de casa, ainda acaba favorecendo o crime. O restante foi subtraído de locais como estabelecimentos comerciais (25,5%), veículos em via pública (16,8%) e órgãos públicos (5,8%).
Delinquentes já miram as residências dos CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), por saberem que ali são grandes as chances de encontrar muitas armas, por vezes com grande poder de fogo, num único local.
A ofensiva armamentista promovida por Jair Bolsonaro (PL) foi levada a cabo basicamente com regulamentação infralegal, sem passar pelo crivo do Congresso Nacional. A conformidade de tais normas com o Estatuto do Desarmamento ainda está por ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
De mais positivo, isso significa que um próximo presidente —mais criterioso na definição de políticas públicas, espera-se— não terá dificuldade em revogar as medidas.
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