Sou argentino, e meus dois filhos são brasileiros. Dois meses atrás foi diagnosticado um problema no meu coração: taquicardia severa. Os cardiologistas falaram que eu precisaria de uma cirurgia urgente. Em décimos de segundos, tomando um café ou lendo um livro, minha frequência cardíaca passava de 60 até 250 batimentos por minuto. Tinha Ayrton Senna conduzindo o carro do meu corpo.
Senti medo. De quê? O medo maior era a morte, certamente, mas não a morte do meu corpo. Eu temia perder diminutos tesouros, caríssimos momentos, instantes preciosos com Mateo, 6, e Tobias, 3. Eu temia não os ver crescer, brincar e serem felizes. Eu temia que meu coração não me deixasse curti-los. Temia que mudasse o roteiro do nosso filme e não fosse mais protagonista na história deles. Eu temia passar a ser só um ator coadjuvante. Ali me dei conta de que o tempo, esse que parece meu, na verdade é deles.
Vou ser sincero com vocês. Meu medo era deixar de ser pai. Meu medo não estava ligado à possibilidade de deixá-los órfãos, não. Meu medo era perder o meu tempo com os meninos. Meu medo era egoísta. Meu medo era deixar de ser pai.
Ser pai é ter uma poltrona aconchegante no centro de uma peça teatral magnífica. Você está ali torcendo, educando e dando sugestões para que essas vidas sejam ótimas. Ser pai é ser um espectador presente. Assiste, fala, repete. Cuida. Presença.
Estava na maca da sala de operações, naquele estresse do corpo rendido, à disposição dos outros. Os cirurgiões colocaram anestesia local e ingressaram pela virilha cabos que introduziram por meio de uma veia direto no meu coração.
Recostado, conseguia ver os cabos dentro do coração num monitor. Três semanas anteriores à cirurgia, havia contraído Covid-19. Azar, hein?! Tossia e tossia, até que o cirurgião olhou para mim e falou: "Tente não se movimentar, a gente pode machucá-lo".
Podem acreditar que não é uma frase muito legal quando você tem cabos no seu sistema operacional central. Naquela hora, fiquei quieto, repetindo o nome dos meus filhos e da minha esposa. Naquela hora da minha jornada, eram eles. Sempre o sentido da vida são eles.
Adoro meu trabalho como coach executivo e consultor em storytelling. Essa paixão imensa, porém, é nada se comparada ao sucesso de ouvir Mateo e Tobias falando que conto as melhores histórias sobre ursos pandas brincando no mercado. Nada importa quando esses dois nomes estão em perigo. Prioridade raiz.
Aquilo que chamamos "paternidade", na verdade, é só um vitral de poucos segundos de felicidade compartilhada. De jogos, conversas e risadas. Cada um deles parece simples, mas todos juntos são a chave que abre o cofre de segurança do meu coração. Ali dentro não tenho defesas. Sou vulnerabilidade pura.
Se você é pai e está distraído, deixe tudo, meu caro, e procure a chave do seu cofre da felicidade.
A vida é curta, sabe? A vida é curta, e eles crescem que nem meu coração, acelerados como uma nave.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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