Há poucas semanas, viajei para fazer pesquisa para um novo romance. Fui até Witmarsun, colônia menonita no Paraná. Na estrada de bambuzais que leva ao município, já sabia o que me esperava: uma das comunidades mais conservadoras do país.
Caí na única avenida da cidade, ladeada por plantações e casas em estilo germânico. Quase atropelei uma vaca ao ver quem sorria de braços abertos para mim: o Mito, estampado em um imenso outdoor, junto da frase "Força, presidente". Fiquei me perguntando se o presidente devolverá essa força quando o desmatamento em curso aumentar a temperatura e comprometer o regime de chuvas a ponto de transformar aqueles milharais em pipoca.
Avancei, procurando pelo endereço de um casal que topou me dar entrevista. Enquanto comíamos um delicioso zwieback, me contaram que a colônia nem sempre foi daquele jeito. Alguns dos velhos preceitos dos imigrantes eram a não submissão ao governo, a rejeição a armas de fogo e a liberdade religiosa, que também andava um pouco démodé —os filhos do casal, ateus, eram orientados a não mencionar esse pormenor da família para seus amiguinhos sob o risco de não serem aceitos na comunidade.
Concluída a pesquisa, segui viagem, passando por São João do Triunfo, onde um ativista LGBTQ+ foi morto a tiros e depois carbonizado em seu próprio carro em 2021.
Cheguei a Balneário Camboriú (SC), que tem o metro quadrado mais caro do país, passei por ruas cheias de lojas de marca e placas da prefeitura: "Não dê esmola. Dê oportunidade. Disque 156". Sob uma das placas, um mendigo, amedrontado em estender a mão, revirava o lixo. Pensei em dar um pão, mas fiquei com medo de ser flagrada por uma sirene.
É com esses Brasis, tão brasileiros quanto quaisquer outros, que precisamos lidar. Tenho a sensação de que dizem: decifra-me ou te devoro.
Temos até outubro para matar essa charada.
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