O conceito de crimes contra a humanidade foi sistematizado inicialmente no Tribunal Militar Internacional para Nuremberg, visando a responsabilização por delitos cometidos na Segunda Guerra Mundial, crimes que violavam as "leis de humanidade". É um delito que se volta contra a dignidade e a existência humana, numa escala coletiva.
Para o Estatuto de Roma, tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, entende-se por "crime contra a humanidade" atos cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra a população civil. Ações de autoridades, como políticas públicas, também se incluem ao conceito. Outro aspecto marcante é a presença de um elemento "político"; já que os delitos também partem de autoridades com poder estatal.
Muitos tipos penais estão incluídos no rol dos crimes contra a humanidade, como tortura, escravidão, homicídio, perseguição, extermínio e outros atos desumanos, que intencionalmente causam grande sofrimento ou afetam gravemente a integridade física e a saúde física ou mental da população.
Grandes figuras sombrias da história já estiveram sob acusação de crimes dessa ordem, como o presidente chileno Augusto Pinochet, Saddam Hussein ou os nazistas da Segunda Guerra. O aspecto sombrio e atroz dos horrores dos grandes extermínios confere aos crimes contra a humanidade o tom hediondo.
Há uma estreita relação dos crimes contra a humanidade com o genocídio, outro crime internacional, que detêm um elemento diverso —a intenção de destruir um grupo nacional, étnico, racial e religioso. No genocídio, a violência é dirigida contra grupos específicos; já nos crimes contra a humanidade, a violência é direcionada contra toda a população de forma generalizada.
O relatório da CPI da Covid-19 apontou a prática de inúmeros delitos sob a responsabilidade do presidente e seus filhos, além de componentes do governo federal. As acusações envolvem crimes como homicídio, crime de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo e os crimes contra a humanidade.
Quanto ao enquadramento como crimes contra humanidade, no que envolve a condução omissa do governo federal brasileiro no enfrentamento da pandemia, o relatório da CPI aponta para possível responsabilização. As sistemáticas omissões do governo federal no enfrentamento da crise sanitária, demonstradas pelo descumprimento das recomendações da Organização Mundial da Saúde, a ausência de coordenação de uma campanha efetiva em conjunto com os estados e municípios, bem como o comportamento errático do presidente da República, estariam enquadrados no conceito de crime contra a humanidade, exemplificados por homicídio ou outros atos desumanos que causam grande sofrimento e afetam gravemente a saúde da população.
A responsabilidade penal do presidente da República estaria demonstrada pela sua política desastrosa no enfrentamento da pandemia. O presidente, por vezes fazendo uso de fake news, também incentivou a população, especialmente os mais vulneráveis, à exposição ao vírus, numa clara tentativa de provocar "imunidade de rebanho". Incentivar a contaminação da população pode colocar em risco a saúde e a vida, além de impor sofrimento desnecessário. Outras autoridades do governo federal também constam no relatório como coautores, demonstrando cumplicidade.
O relatório será enviado também para o Tribunal Penal Internacional, visando acusação por crimes internacionais, em especial quanto à prática de crimes contra a humanidade. A possibilidade de que a acusação siga em frente é significativa, mas isso dependerá ainda de decisão da corte internacional. O Brasil, entretanto, também tem competência para processar e julgar o crime.
Jair Bolsonaro e seu governo não demonstraram nenhuma preocupação à enorme tragédia ocasionada no Brasil; há um certo desprezo em relação ao sofrimento da população e profundo descaso. Cabe indagar sobre gravidade das ações e omissões do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia e o quanto isso ameaçou a sobrevivência da população, especialmente os mais vulneráveis.
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