Causa desconcerto a permeabilidade que algumas das instituições brasileiras têm mostrado à guinada da política brasileira dos últimos anos, o que, não obstante a perseverança de tantos de seus integrantes, revela fragilidades institucionais a serem corrigidas.
As instituições devem ser abertas às demandas sociais e funcionar para atendê-las e, no âmbito do sistema de Justiça, têm uma função contramajoritária de que não podem descurar. O que lhes permite maior resiliência em contextos adversos é o desenho constitucional de cada uma delas.
O mal que as enfraquece é uma patologia que por vezes se encontra dispersa nos setores público e privado, cuja adesão ao projeto liberal antissocial não autoriza a desconstrução, diante do olhar desolado de boa parte da sociedade brasileira, do modelo de republicanismo democrático estabelecido na Constituição de 1988.
Tarefa do país é corrigir os erros da arquitetura institucional que debilitam, aqui e ali, a democracia brasileira. Entre os cálculos estruturais incorretos de nossas instituições, que já podiam ser percebidos, mas têm se revelado com maior ênfase nos últimos anos, põe-se em evidência a ausência de previsão de lista tríplice para a chefia do Ministério Público da União.
Nesta terça-feira (24), o Senado sabatinará o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, indicado pelo presidente da República. Tivesse nossa democracia o amadurecimento necessário, teríamos aí a chave para conter a hipertrofia do Poder Executivo sobre o Ministério Público da União, especialmente o Federal (MPF), único ramo entre os Ministérios Públicos do país cujo chefe não é indicado em lista tríplice que limite as possibilidades de escolha do presidente. Os atos presidenciais serão em boa medida controlados por quem tenha sido por ele nomeado. O rigor na sabatina é ingrediente cultural que falta, neste passo, ao processo de amadurecimento de nossa democracia.
Na hipótese —mais que remota, meramente imaginária — de o Senado recusar a recondução do atual PGR, após o encerramento de seu mandato, assumiria interinamente o cargo o vice-presidente do Conselho Superior do MPF, periodicamente eleito pelos demais conselheiros, e que viria a exercer as funções de procurador-geral até que outro membro da carreira fosse indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado.
É necessário, também, implementar mecanismos de controle sobre o órgão de Estado que detém exclusividade, em se tratando de crimes comuns, para oferecer denúncia contra o presidente da República. O Supremo Tribunal Federal tem entendido que as manifestações do PGR, pelo arquivamento das investigações de sua responsabilidade, são de observância obrigatória, mas tem sido aventada a evolução de sua jurisprudência, de modo a que, caso não acolha promoção de arquivamento apresentada pelo PGR, o STF estabeleça um mecanismo de revisão, submetendo o posicionamento do PGR ao Conselho Superior do MPF, para que o colegiado dê a palavra final.
Outra alteração importante, defendida em editorial desta Folha, é a previsão de quarentena que impeça o PGR de ser nomeado, durante o mandato e por um período subsequente a ser definido pelo Congresso Nacional, para outro cargo que dependa de indicação do presidente da República.
O duro teste de fadiga a que têm sido submetidas as instituições brasileiras põe em relevo essas correções, aptas a contribuir para a redução da porosidade de nossas instituições, que, em maior ou menor grau, têm se mostrado permeáveis à hipertrofia do Poder Executivo, aprimorando alguns dos mecanismos constitucionais de freios e contrapesos de nossa cambaleante democracia.
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