VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)
Somos seis mulheres negras parlamentares. Enquanto você lê este artigo, é provável que uma de nós, ou uma de nossas companheiras, esteja sendo alvo de algum tipo de agressão. A sub-representação de mulheres negras nos espaços de poder e nos processos eleitorais tem como causa as incontáveis práticas de violência política, que se apresentam como barreiras antes mesmo de sermos candidatas e se mantêm durante processos eleitorais e após sermos eleitas. Somos intimidadas em todas as instâncias.
A brutalidade a que nós somos submetidas não tem sutilezas. Vai de “piadas” infames e provocações, passando por intimidações, ataques virtuais e até ameaças graves, como a que levou a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) a pedir proteção à ONU. Carregamos ainda a dor pelo assassinato atroz da vereadora Marielle Franco e o silêncio desmedido sobre quem mandou matá-la e por quê. É precisamente essa a definição de violência política: atos sistêmicos com o objetivo de excluir pessoas ou grupos sociais da esfera pública de debate e decisão. Em nossa sociedade, essa violência tem fundamentos raciais e de gênero.
O Brasil é fundado sob o mito da democracia racial. Desde a escravização de nossos antepassados, sabemos que a violência é o recurso que o poder colonial aciona para manter corpos subalternizados. Essa violência não precisa sequer ser justificada, pois corpos negros são entendidos como menos que humanos, como coisas, até hoje como propriedades —o que o genocídio da juventude negra confirma. Também temos uma longa história de ditaduras e de feroz repressão aos movimentos e levantes populares, mesmo nos períodos ditos democráticos. Somadas, a força bruta e a violência institucional escancaram que, com o racismo, nunca houve democracia.
É inegável que a militarização e a ascensão ao poder de uma retórica calcada na eliminação do outro têm aumentado e agravado os casos de violência política no país. Precisamos politizar o debate sobre a violência, lembrar que ela produz e reproduz as grandes desigualdades de poder, marcadamente de gênero.
Por isso, apresentamos nas Casas legislativas um projeto de lei que institui o programa de enfrentamento ao assédio e à violência política contra a mulher. Com ele, buscamos eliminar atos, comportamentos e manifestações individuais ou coletivas de violência política e perseguição que, direta ou indiretamente, afetam as mulheres no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas. Será imperativo também prevenir e buscar justiça contra atos discriminatórios e violentos.
Acreditamos na política como o terreno de produção de disputas, conflitos, negociações e consensos sobre o nosso mundo comum. Com a política transformamos, inclusive, a própria política. Ocupamos espaços no partido, nas eleições e nos Parlamentos com esse desejo e com a convicção de que essa transformação é urgente e inevitável.
Nossos corpos, histórias, símbolos e jeitos de falar, que por vezes geram comentários depreciativos de nossos colegas, transformam ao produzir um sentimento de identificação entre aquelas e aqueles sistematicamente excluídos. Precisamos que os ataques cessem. Por nós, pelos nossos filhos, pelos nossos eleitores, pelo país. E mais, precisamos que eles sejam nomeados como o que são: violência política de raça e gênero!
Talíria Petrone
Deputada federal (PSOL-RJ)
Andréia de Jesus, Érica Malunguinho, Mônica Francisco, Renata Souza e Dani Monteiro
Deputadas estaduais do PSOL por, respectivamente, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro
TENDÊNCIAS / DEBATES
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