Poderíamos ter aprendido com os erros de Chicago, onde negros são 30% da população, mas 70% das vítimas da Covid-19. Poderíamos ter aprendido com o próprio Brasil, quando o primeiro relatório publicado pelo Ministério da Saúde revelou que 23,1% dos internados pelo vírus são negros, mas estes representam 32,8% das mortes. Ao não aprender, ficamos hipocritamente aterrorizados com o novo dado de São Paulo: pretos têm 62% mais risco de morrer por Covid-19 do que brancos.
Em um país tão desigual, políticas públicas genéricas servem à discriminação. Ao não propor iniciativas voltadas aos pretos e pardos, os governos estão dizendo: corona, mate os negros!
Que há discriminação racial na saúde brasileira deveria ser óbvio a qualquer governante: o fato pode ser observado em diversas estatísticas. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, pretos e pardos têm menos acesso a atendimento médico e mais dificuldade de obter medicamentos receitados do que brancos.
Dados do Ministério da Saúde apontam que mulheres negras têm duas vezes mais risco de morrer por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós-parto do que mulheres brancas. Pessoas brancas têm a expectativa de viver, em média, quase três anos mais do que pessoas negras.
Contudo, as soluções do poder público seguem sempre lentas e ineficientes quando visam questões que afetam desproporcionalmente a população negra. Um exemplo evidente é a (falta de) resposta que o Estado deu à anemia falciforme, doença que atinge principalmente pretos e pardos. Entre as primeiras pesquisas sobre a doença, que afeta entre 60 mil e 100 mil brasileiros, e a implementação de políticas públicas voltadas a ela, houve um intervalo de 92 anos. Após implementadas, seguem sendo negligenciadas: no ano passado, quatro estados ficaram desabastecidos de hidroxiureia, o principal medicamento para controlar essa doença.
De forma geral, os motivos pelos quais a saúde dos negros é particularmente precária no país são conhecidos. Eles vão do menor acesso de pretos e pardos a saneamento básico e a menor concentração de leitos de UTI nas regiões onde negros são maioria até a discriminação sofrida durante atendimentos.
No caso do novo coronavírus, contudo, restam dúvidas sobre porque a disparidade de mortes é tão grande entre negros e brancos. E só poderemos formular políticas públicas que deem respostas efetivas a essa desigualdade quando conseguirmos dar mais nitidez ao problema.
O que já está claro, contudo, é que precisamos de políticas de saúde segmentadas, que considerem os contextos e as especificidades dos negros. Que precisamos de um governo que investigue o que acontece dentro dos hospitais onde a taxa de óbitos entre negros é maior em relação aos internados; da construção em massa de leitos nas periferias; e de pré-atendimentos e triagens via telefone focadas nesse público, explicando detalhadamente o passo a passo para conseguir o atendimento. E, principalmente, que precisamos de um país que reconheça a estrutura racista que construiu e que comece a trabalhar para salvar as vidas negras que ainda não foram perdidas.
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