Não é à toa que a notícia da provável vitória da chapa Fernández-Kirchner nas eleições de outubro, na Argentina, causou agitação entre analistas e representantes empresariais no Brasil.
Deixando de lado as implicações políticas e macroeconômicas deste cenário, a volta do kirchnerismo tem impacto sobre, ao menos, três questões relacionadas ao comércio exterior brasileiro: os rumos do projeto de abertura comercial do governo Jair Bolsonaro (PSL); o futuro do Mercosul e de seu modelo de integração; e o comércio bilateral Brasil-Argentina.
O governo brasileiro anunciou a disposição de promover a abertura comercial seguindo dois eixos
simultâneos: a negociação de acordos de livre comércio com países desenvolvidos e a redução unilateral das tarifas de importação.
Parte relevante deste projeto está atrelada aos demais sócios do Mercosul. O modelo de união aduaneira, com a tarifa externa comum que vigora no bloco, exige que tanto a negociação de acordos de comércio como a revisão das tarifas de importação sejam feitas em conjunto pelos quatro sócios.
Para avançar na abertura comercial, o governo brasileiro contava com a convergência de orientação liberal nas políticas comerciais dos seus sócios.
O acordo Mercosul-União Europeia foi produto desta convergência. Após terem permanecido suspensas por seis anos, as negociações entre os dois blocos foram retomadas em 2010, durante as presidências de Cristina Kirchner e Dilma Rousseff (PT). No entanto, só foi possível concluir o acordo nove anos depois, quando houve disposição dos governos de Macri e Bolsonaro para oferecer abertura suficiente das economias do Mercosul de modo a tornar o acordo atraente para os europeus.
Alberto Fernández, o candidato do kirchnerismo, afirmou que, caso eleito, vai promover uma revisão nos compromissos negociados no acordo por acreditar que estes levarão à desindustrialização da Argentina.
Mesmo que seja possível aprovar o acordo com a União Europeia, será difícil para o bloco seguir expandindo a rede de acordos com outros países desenvolvidos e incluir os Estados Unidos nessa rede.
Mais improvável será chegar a um entendimento sobre uma reforma da tarifa externa comum do Mercosul que reduza significativamente o grau de proteção contra importações que vigora atualmente nas economias do bloco.
Isso nos leva à segunda questão: para levar adiante o seu projeto de abertura comercial, o governo brasileiro terá eventualmente que propor aos demais sócios do bloco a revisão do modelo de integração, abandonando o modelo de união aduaneira e optando por transformar o Mercosul em uma área de livre comércio.
Essa mudança liberaria os países para perseguirem políticas comerciais autônomas. Para isso, o Brasil precisará negociar com os demais sócios a revisão do Tratado de Assunção —que criou o Mercosul—, o que será um desafio não trivial.
Por fim, as exportações brasileiras sofrerão as consequências de uma fase de maior instabilidade econômica na Argentina. O novo governo herdará uma economia fragilizada, com vulnerabilidade externa e moeda desvalorizada.
O governo Kirchner foi pródigo na imposição de barreiras ao comércio intrabloco e, diante das dificuldades que a economia argentina continuará a enfrentar no front externo, é provável que o país volte a impor novas barreiras às importações, inclusive aos sócios do Mercosul. Portanto, até mesmo a ideia de transformar o bloco em uma área de livre comércio enfrentará caminhos tortuosos.
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