Tiros, ovos, pedras e chicotadas alvoroçaram o noticiário político. Na semana que passou, a Caravana Lula pelo Brasil percorreu a região Sul e enfrentou protestos acima do limite do aceitável. O ataque a tiros aos ônibus da comitiva do ex-presidente ocorreu no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin anunciou que vem sendo alvo de ameaças. Nesse mesmo ambiente, destaca-se que, duas semanas atrás, a vereadora do PSOL Marielle Franco foi assassinada no Rio.
São sinais estarrecedores da tensão política dominante. Pretendo me ater aqui ao papel do jornalismo em momentos como estes.
A Folha publicou cobertura ampla da atual caravana petista desde seu início, em agosto de 2017.
Na ocasião, alguns leitores reclamaram de que o jornal dava espaço excessivo para uma campanha antecipada que seria ilegal; imagens da caravana, acertadamente a meu ver, foram estampadas na primeira página do jornal.
Em janeiro, o PT definiu que a primeira caravana de 2018 passaria pelos três estados do Sul, sendo encerrada em Curitiba, que centraliza a operação Lava Jato.
A etapa foi atribulada desde o início. Carros e ônibus integrantes da comitiva foram repetidas vezes atacados por ovos, pedras e objetos diversos. Latarias foram amassadas; vidros, quebrados. Tratores bloquearam o acesso a cidades, pregos foram jogados ao chão para furar pneus. Um estudante apanhou de chicote em Bagé. No final, os tiros.
O leitor da Folha teve relato desses fatos e a cobertura foi rica em imagens (algumas delas em movimento por meio de vídeos). Seus gritos de “Lula ladrão, seu lugar é na prisão” e “Viva Sergio Moro” foram registrados. Mas, em geral, não foram registrados seus nomes, pensamentos, motivações e articulações.
Em três momentos da caravana lulista a Folha conseguiu dar rosto a esses manifestantes, mas não avançou em seus perfis e suas convicções. Entrevistou um produtor rural, um analista de recursos humanos e um empresário que basicamente descreveram detalhes dos atos que lideraram.
Foram tentativas tímidas de entender as manifestações e organizações desses eleitores.
A Folha chegou a publicar que o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS) se reuniu com o secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer (MDB), para mostrar cópias de mensagens e entrevistas de opositores, supostamente açodando a violência. Mas o jornal aparentemente não teve a curiosidade de ir atrás de tais informações.
Nas redes sociais, os jovens do Movimento Brasil Livre (MBL) comemoravam os ataques ao petista e diziam estar entre os organizadores da rede de ações contrária a Lula. A Folha só os citou no último ato previsto para dia 28 em Curitiba.
Por outro lado, com a mesma falta de profundidade, o leitor foi informado de que integrantes do Partido dos Trabalhadores e de movimentos de esquerda, entre os quais o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), davam apoio e faziam a segurança de Lula em sua jornada. Quem eram? Como agiam? Quem pagava?
O editor de Poder, Fábio Zanini, diz que não houve condições logísticas de fazer reportagem maior no ato, pois isso leva tempo. Informou que ela está sendo produzida e será publicada nos próximos dias.
Parte dos leitores afirmou que a mídia tratou com muito mais alarde ataque ao tucano José Serra na campanha presidencial de 2010, com investimento em perícias técnicas próprias, por exemplo.
No caso da Folha, o ataque a Serra foi noticiado na capa com foto seguida de texto-legenda intitulado “Dor de cabeça”. O ataque a Lula foi manchete do jornal, demonstrando correto dimensionamento dos respectivos fatos a seu tempo.
O que incomodou na cobertura da Folha foi a frequência do sujeito indeterminado. Quem jogou ovos, pedras e objetos? Quem usou tratores para bloquear? Quem lançou pregos ao chão? Quem pagou, quem participou, quem convocou?
Pouco se informou sobre quem eram os protagonistas de tais ações e, principalmente, o que pensavam e como se organizavam. Faltou assim mostrar com profundidade e riqueza quem eram as pessoas por trás daquelas mãos. Isso não é detalhe ou capricho, mas identificar e traduzir personagens que protagonizam a cena política é das funções básicas da imprensa.
O jornal tem se mantido acertadamente rígido na defesa da apuração de perpetradores dos crimes recentes. Defende que é preciso encontrar e punir quem matou Marielle, quem ameaçou Fachin e quem atirou na caravana de Lula.
No entanto, nos três exemplos, não entrou com vigor, espaço e propriedade nas investigações jornalísticas dos temas. Por apatia, desorganização ou falta de recursos, está devendo a seu leitor.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.